No longa “Como Se Tornar Influente” (título desastrado que o original “How To Build A Girl” ganhou no Brasil), dirigido por Coky Giedroky e protagonizado por Beanie Feldstein, uma jornalista pós-adolescente tenta construir uma carreira como crítica musical.
A comédia mostra os dramas da idade, o começo num mercado competitvo, os perrengues e encantos do amor e do sexo, a relação desajeitada com a família, que é, ao mesmo tempo, algoz e redenção. Nada de novo no reino da comédia romântica se não fosse um detalhe: a atriz Beanie é gorda. Por conta deste detalhe, tão pouco familiar a protagonistas hollywoodianas, fiquei à espera inconsciente de que algum drama relacionado ao corpo surgisse a qualquer momento.
Numa cena de autodegradação, numa outra em que alguma mulher magra e loira maldosamente ri da protagonista e ela chora, ou, ainda, alguma em que ela teria vergonha do próprio corpo diante de um garanhão que a despreza, para depois ressurgir confiante, dando uma lição no cara e no público. A cena não acontece. Não há um momento em que o assunto corpo venha à tona.
A personagem de Benie, Johanna é o que é e o que somos: uma mulher vivendo, crescendo, sendo sexy e insegura, se achando burra e inteligente, errando e acertando.
O que a escalação de Beanie combinada a um roteiro que não traz o tema da gordofobia explicitamente faz é libertar a narrativa das mulheres gordas, fadadas ao papel da melhor amiga engraçada ou da trajetória da heroína rejeitada, que passa por uma recauchutagem e, vingativa, põe os homens aos seus pés.
Ou seja, o enredo pluraliza uma atriz gorda ao evitar que ela use, mais uma vez, a marginalização de um grupo para entreter ou educar o espectador. Ao contrário disso, Johanna é uma heroína que poderia ser interpretada por qualquer mulher, de qualquer cor, raça e tamanho.
A gordofobia é um problema na nossa sociedade, não há o que contestar. É, sim, preciso discutir, denunciar, levantar bandeiras, aos gritos, se preciso for. Mas, paralelo a isso, há esse outro jeito de contribuir enormemente para uma mudança de mentalidade: fazendo com que corpos gordos não estejam apenas no lugar da piada e do sofrimento.
O pensamento serve para outros grupos historicamente marginalizados. Quando negros reclamam de só serem lembrados por marcas quando chega o mês da Consciência Negra é, provavelmente, sobre isso que eles estão falando (também): o encaixotamento da narrativa que os limita a uma luta.
Negros e negras querem se ver nas telas também felizes, também amados, conversando sobre temas gerais, sem necessariamente andar com a bandeira hasteada o tempo inteiro. O mesmo para casais bi, trans ou homoafetivos, donos de um lugar na ficção em que só “vencem” depois de peregrinarem pelo longo caminho da inaceitação ou do fetiche. Ou para nordestinos, condenados ao lugar da caricatura, em que a piada vive escapando.
Não há mudança de cenário, não há alívio, apenas o constante aprisionamento do lugar a que estes grupos pertencem na ficção.
Aqui preciso dizer o óbvio: estamos longe de poder parar com a militância. Racismo, homofobia, xenofobia, gordofobia e outras tantas mazelas que nos atingem socialmente - em maior ou menor grau - precisam ser denunciadas, criminalizadas, discutidas, a bandeira não pode ser guardada. Mas podemos fazer mais.
Podemos dar lugares de honra a esses grupos sem os cansarem, mais uma vez. Podemos aliviá-los do clichê que os machuca.
Podemos mudar o cenário, dar espaço para que contem outras histórias. Histórias que, afinal, são deles, delas, nossas, também.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
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