Uma prática nada convencional tem viralizado nas redes sociais desde o ano passado entre as influenciadoras de lifestyle: tomar sol na região íntima. Em vídeos compartilhados, as praticantes afirmam que “30 segundos de exposição ao sol no períneo equivalem a um dia inteiro de luz solar com roupas”. Nos EUA, o hábito é conhecido como ‘perineum sunning’.
Entre os benefícios, elas citam ainda a melhora na libido, regulação hormonal, melhoria na qualidade do sono e maior estímulo na produção de vitamina D, hormônio que se desenvolve com a exposição solar e atua na saúde óssea, no crescimento, imunidade, musculatura, metabolismo e em diversos outros órgãos.
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Por aqui, nesta coluna, já falamos sobre os riscos da exposição ao sol em excesso ou sem proteção adequada. Mas e com relação à região íntima? Será que há mesmo benefícios na prática?
A ginecologista e especialista em Sexualidade Humana Débora Britto explica que não existem evidências científicas que comprovem qualquer tipo de benefício da exposição ao sol na região do períneo e alerta para trends da internet.
“É importante que as pessoas reflitam antes de experenciarem ou passarem a reproduzir tendências que se tornam populares por terem sido cultivadas a partir de posts virais nas mídias sociais ou porque alguma figura pública famosa e, por consequência, a mídia ampliou a visibilidade sobre o tópico”.
Baseada em conhecimentos da medicina chinesa, a prática viralizou ainda em 2019 com a norte-americana Meagan Whitson. No post que consiste numa foto dela nua com as pernas para cima, a influenciadora recomenda, no máximo, cinco minutos de exposição. Esse tempo, de acordo com ela, não seria suficiente para provocar queimaduras.
Contudo, a exposição acumulada diariamente pode acarretar prejuízos justamente por ser uma pele mais sensível. O períneo compreende a região entre o orifício anal e o final da vulva, nas mulheres, já nos homens está localizado entre a raiz do pênis e o ânus.
Um livro publicado em 1986 por Stephen T. Chang que apresenta as práticas do taoísmo, religião de filosofia chinesa, ensina a prática de bronzeamento e ainda ensina como fazer. Intitulado como algo parecido com reverência ao sol, o hábito, segundo o autor, é um tratamento para hemorroidas além de prevenir infecções vaginais.
“A luz do sol tem excelentes propriedades germicidas, e a exposição ao sol vai ajudar a manter as áreas do ânus e da vagina saudáveis e longe de germes. Eu chamo infecções vaginais e hemorroidas de doenças da preguiça, porque são resultado de negligência com essas áreas”, diz.
O dermatologista Guilherme Holanda acrescenta que, especificamente, na região intima não existe nenhum benefício comprovado e nem é recomendado, mas que a exposição solar teria sim o benefício de auxiliar na produção de vitamina D.
“Porém, em um país com altos níveis de insolação, poucos minutos de exposição ao ambiente externo, qualquer que seja o clima, somente de mãos e face, seriam suficientes para a produção de vitamina D”.
Além disso, o médico destaca que a pele da parte íntima é mais fina e sensível quando comparada ao restante do corpo, por isso, tomar sol nessa região pode levar a queimadura solar como um risco imediato a curto prazo e também câncer de pele como um risco a longo prazo.
Em 2019, o ator Josh Brolin, conhecido por interpretar o vilão Thanos em “Vingadores: Ultimato”, sofreu queimadura na região anal após experimentar a prática. Pelo Instagram, ele foi categórico: “não faça”.
“Eu ia passar o dia no shopping com a minha família e, ao invés disso, estou fazendo compressa gelada, usando aloe vera e cremes para queimaduras, por conta da gravidade da dor. Eu não sei quem diabos pensou nessa merda estúpida, mas f**a-se mesmo assim. Seriamente”, escreveu.
Fora que traumas na região íntima costumam ser mais dolorosos e de difícil cicatrização. Em mulheres, o alerta é maior, já que fissuras, rachaduras ou outros tipos de lesões podem favorecer o surgimento de infecções, como candidíase, vaginoses, etc.
Outro ponto importante é que, por ser uma região de difícil visualização, caso haja o surgimento de alguma lesão, um possível câncer demoraria a ser detectado, ou ainda o sol poderia piorar um quadro de infecção.
Com o objetivo de melhorar a saúde íntima, a prática pode não ser a melhor escolha. A ginecologista pondera que outras estratégias, com embasamento científico, são mais eficazes para isso. Uma alimentação saudável, ingestão adequada de água, prática de atividade física e gerenciamento do estresse seriam suficientes para prevenir infecções.
Para evitar bactérias, fungos e germes na região, usar roupas leves e calcinha de algodão no dia a dia, assim como dormir sem calcinha são bons hábitos para a saúde íntima.
Já no caso da libido, um dos benefícios que as praticantes acreditam ter com o hábito solar, Débora diz também não há nenhuma relação estabelecida cientificamente sobre o tema, até porque vários fatores podem interferir no desejo sexual.
“Por outro lado, existem recomendações e diretrizes sólidas e confiáveis para o manejo das queixas de baixa libido e para abordagem de questões hormonais. Existem práticas e cuidados seguros que podem ser gerenciados por profissionais preparados para cuidado e suporte nessas queixas”, detalha.