Minha filha, até dia desses um bebê, entrou na faculdade

Desculpem o lugar comum: o tempo, de fato, voa. Lembro, e não parece que se vão lá mais de doze anos, escrevi uma crônica, neste mesmo Diário do Nordeste, sobre o dia em que minha filha, Emília, aprendeu a ler. Hoje, ela teve a primeira aula na faculdade.

Para ela, tudo é novidade. Pelo WhatsApp, mandou recado para casa, dizendo-se impressionada com o tamanho do campus cheio de árvores, a informalidade do ambiente universitário, as mesas e cadeiras dispostas em círculo na sala de aula, o auditório enorme onde os novatos foram recepcionados pelo reitor.

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Foi toda estilosa, com um vestido de algodão cru comprado no Mercado Central de Fortaleza, os cabelos descoloridos, alguns colares e pulseiras confeccionados por ela própria. Neste momento, enquanto escrevo, está vindo para casa de trem. Mas planeja dividir em breve um pequeno apartamento com uma amiga, também brasileira, para ficar mais perto do local de estudo. Pela primeira vez, deverá morar distante dos pais.

Rememorei meu primeiro dia como aluno do curso superior, no comecinho da década de 1980, na antiga Faculdade de Filosofia de Fortaleza, a extinta Fafifor. Lá estava eu, bicho-grilo com uma bolsa de algodão a tiracolo, o rosto de Che Guevara estampado nela, em serigrafia berrante e vermelha.

Ingressar na faculdade é um marco para qualquer adolescente. Um ritual de passagem inesquecível. Uma conquista de liberdade e autonomia, uma emancipação em relação à rigidez dos currículos dos tempos de escola. Logo virão as primeiras festas universitárias, as idas ao boteco, as inevitáveis farras estudantis.

Quando estudei na Fafifor, penso ter aprendido muito mais nas rodinhas de conversa com os novos amigos do que nas salas de aula.

Ampliei meus horizontes estéticos, descobri uma literatura que antes jamais imaginara existir, dilatei meu repertório musical.

Abandonei o curso de filosofia, fui cursar letras na Universidade Federal do Ceará, que de modo idêntico logo deixei de lado. Se o primeiro me desencantara pelo ambiente vetusto, típico a uma instituição católica, o segundo me impacientou com sua ênfase na gramática normativa — e não nos estudos literários propriamente ditos, conforme eu tanto ansiara.

Mas, em ambas, filosofia e letras, a convivência universitária me abriu a cabeça. Apresentou-me, por exemplo, ao movimento estudantil, pelo qual me interessei lateralmente, sem filiações de ordem programática ou partidária, anarquista que fui na juventude — e, em certa medida, continuo sendo, insubmisso a toda espécie de credo, adesão, militância ou hierarquia inflexíveis.

Só anos depois, em meados da década de 1990, consegui concluir um curso superior, o de jornalismo, na Universidade Federal do Ceará, onde ingressei com quase trinta anos de idade, quando descobri no ofício de repórter uma paixão tardia. O mestrado em semiótica, em São Paulo, veio quando eu já passara dos cinquenta. O doutorado em história, só agora, em Portugal, próximo aos sessenta.

Se há algo que eu tenha aprendido, ao longo desta trajetória errática, é que prefiro ser guiado pelo entusiasmo, à custa dos muitos arrebatamentos da dúvida, do que pela pasmaceira das certezas firmes e prévias.

Não cobrarei de Emília aquilo que eu próprio não fui capaz de seguir: um itinerário já delineado à partida, planejado com cálculo e método, sem espaço para o improviso, o imprevisto e a aventura. Seja bem-vinda ao mundo universitário, minha filha. Construa seu próprio destino, dia após dia, com a sensibilidade e a inteligência que lhe são peculiares.

Se for o caso, permita-se ao erro, aos desvios de percurso, à possibilidade de recomeçar sempre que o coração apontar na direção de outros possíveis ventos e rumos. Experimente. Ouse. Arrisque-se. Curta a vida. Viva intensamente. O tempo, afinal de contas, de fato, voa. Voe você também.

*Este texto expressa, exclusivamente, a opinião do autor