Emília e Alice redescobrem as belezas e mazelas do país

Foto: Luis War/ Shutterstock

Depois de mais de cinco anos sem virem ao Brasil, minhas filhas mais novas, Emília e Alice, nascidas em São Paulo e agora crescendo em Portugal, estão redescobrindo as muitas belezas – e as tantas mazelas – do país.

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Alice, 13 anos, pergunta-me por qual motivo, da varanda do apartamento onde estamos hospedados, avistam-se lá embaixo tantas casinholas de tijolos à mostra – paredes nuas, sem reboco –, umas construídas quase por cima das outras.

Explico-lhe que por trás deste paredão de prédios de luxo existe uma cidade imensamente injusta, com pessoas vivendo em situação de precariedade. No Brasil inteiro é assim, acrescento.

Ela faz cara triste, lamenta a desigualdade explícita.

Pegamos um táxi e seguimos para a praia. As duas agora se divertem com a conversa do motorista. Acham engraçado ele ter um chiste para cada pergunta que fazemos. Acham bonito o genuíno sotaque cearense, dizem que ele até parece estar cantando enquanto fala.

Redescobrem sabores dos quais mal se lembravam – o da goiaba madura, por exemplo, que adoraram – e são apresentadas a outros, de quem nem desconfiavam a existência – caso da chegadinha, que o vendedor apregoou, poeticamente, ao som do triângulo, como tendo “gosto de infância”.

Emília e Alice também adoraram a carne de sol, a água de coco, o pastel de queijo coalho. Contudo, do que mais gostaram foi mesmo da praia, em si. O lado de cá do Oceano Atlântico, no hemisfério sul, com suas águas verdes e mornas, foi para elas um agradável reencontro.

Nos últimos anos, tiveram que se contentar com o banho de mar gelado, no Atlântico Norte, o europeu. Também ficaram extasiadas com o céu muito azul daqui, a areia branquinha e fina, a luminosidade intensa, o refrescante banho de bica para tirar o sal.

Mas também têm se espantado com o grande número de pedintes, incluindo crianças, com a quantidade de casebres ao longo do caminho, com o lixo espalhado nas ruas, com pessoas dormindo nas calçadas, com a aparência desleixada dos logradouros públicos.

No restaurante, reprovaram as televisões enormes espalhadas por todos os lados, os insuportáveis decibéis da música ao vivo, a arrogância de certa “gente de bem”, sentada à mesa ao lado, maltratando os garçons e tratando-os como meros serviçais.

No cômputo geral, estão amando a experiência. Mas também lamentando muito daquilo que têm testemunhado. Um povo tão alegre não deveria sofrer tanto, elas me dizem. Ao observarem as bandeiras verde e amarelas nas varandas dos prédios de luxo, indagam: “Esta gente é insensível e cega?”

*Este texto expressa, exclusivamente, a opinião do autor