Sim, é verdade. Portugal tem uma das melhores gastronomias do mundo. Do tradicional bacalhau à Gomes de Sá ao extraordinário polvo à lagareiro. Das sardinhas assadas na brasa às picantes e suculentas bifanas, saboreadas em qualquer tasquinha que se preze. Das tripas à moda do Porto aos rojões à minhota. Da hiperbólica francesinha às amêijoas refogadas no azeite com alho.
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Entretanto, depois de quatro anos usufruindo da boa mesa portuguesa, quase sempre com tudo regado a um bom vinho lusitano — tinto, branco ou verde —, não vejo a hora de pegar o avião. Daqui a pouco mais de uma semana, desembarcarei em Fortaleza, após longa ausência. Coisa rápida. Quase um vapt-vupt. Lançarei um livro e ministrarei um curso breve de escrita de não ficção, na Unifor.
Entre uma coisa e outra, reencontrarei amigos, visitarei parentes queridos. Além de tudo, matarei saudades gustativas.
Nos últimos dias, tenho sonhado com um bom prato de carne de sol com macaxeira frita. Render-me a essa gostosura será uma das primeiras coisas que farei logo ao chegar à cidade. Também planejo comer um peixe frito com farofa, antecedido por uma inevitável caranguejada na Praia do Futuro.
Uma moqueca cearense, com muito leite de coco, pimenta de cheiro e coentro, está igualmente na lista de propósitos. Bem como um sarrabulho ou um sarapatel preparados no capricho.
Uma panelada, é claro, não pode faltar. Ando morrendo de saudades de um suco de cajá ou de murici — ou, ainda, de uma prosaica água de coco gelada. De uma goiaba. Uma carambola. Uma pitomba. Uma graviola.
Não me chamem para restaurantes da moda, não ousem me convidar para lugares finos. Nada de culinária internacional. Quero tirar gosto com seriguela, entregar-me sem remissões a um baião-de-dois com feijão verde e queijo coalho. Comer pirão. Uma feijoada no Passeio Público. Um pastel na Leão do Sul.
Quero abocanhar garfadas de um escondidinho. Devorar um guisado de carneiro, uma piaba frita. Saborear uma tapioca quente, com manteiga derretida, ao café da manhã.
Beber uma cajuína. Traçar um bolo mole, um mucunzá, uma canjica. Morder um caju, comer castanha assada. Tomar coalhada, garapa de cana, chupar rapadura e quebra-queixo. A propósito: alguém sabe me dizer onde consigo comprar alfenim, mariola e aluá?
Quero mais. Afinal, não vou só para comer. Se chover, quando o tempo abrir, quero vaiar o sol, lá na Praça do Ferreira. Mas vaiar com vaia cearense, a mais esculachada do mundo. Vou levar minhas filhas mais novas, nascidas em São Paulo e adolescendo aqui em Portugal, para conhecer o Bode Ioiô.
Quero passear com elas, espilicutes, no trenzinho da alegria lá da Beira-Mar. Ver o Homem-Aranha subir nos muros das casas, morrer de me abrir quando ele fizer de conta que bate a cara no poste ou frescar com os que passam de cara trancada.
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Quero andar de chinelo de dedo na rua — ô, corralinda! — sem ter que enfrentar olhares de reprovação. Quero dizer arre-égua, macho réi; vixe maria, mulher; tadinho do bichinho; diabeisso, menino?!; valha!...; ó, o mei, criatura. Chamar botão de biloto. Coisa velha de bregueço. Torto de ingembrado. Menino de bruguelo. Sortudo de cagado. Ei, mã, bó?
Quero mangar dos cabras metidos a besta lá da Aldeota, rebolar a seriedade no mato, arrudiar a praça, botar pelo menos um pouquinho de boneco, mandar os abestados pra baixa da égua: “Ai, dento, magote de fulerage”. Depois, pego o beco, capo o gato. Dou o maior valor a uma esculhambação.