A presença brasileira na edição de 2024 do Festival de Cannes é especialmente cearense: pela primeira vez um longa do Estado disputa a Palma de Ouro, prêmio máximo do evento, e, além disso, um filme com produção de um gigante do cinema brasileiro nascido em Sobral compõe mostra paralela.
As obras que acentuam o Ceará no 77º Festival de Cannes são, respectivamente, “Motel Destino” — com direção de Karim Aïnouz e protagonismo de Nataly Rocha, do bairro Vila Peri, e Iago Xavier, conhecido como Mazé e cria do Pirambu — e “Bye Bye Brasil” — filme de 1980 dirigido por Cacá Diegues, produzido pelo sobralense Luiz Carlos Barreto, o Barretão, e selecionado para a mostra Cannes Classics.
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Além dos já citados, outras presenças cearenses no festival incluem nomes de intérpretes como Jupyra Carvalho, Renan Capivara, David Santos, Yuri Yamamoto e Fabíola Líper, do roteirista Wislan Esmeraldo, da diretora assistente Luciana Vieira, da figurinista Cris Rodrigues e tantos outros da equipe de “Motel Destino”, gravado em Beberibe. A produção estreia oficialmente no festival na quarta-feira (22).
Tal encontro de gerações cearenses chega como símbolo das décadas de construção — e reconstrução — do audiovisual no País e no Estado, do Cinema Novo, no qual Barretão atuou, ao recente cenário de destaque nacional e internacional de filmes do Ceará, a despeito dos esvaziamentos do governo Bolsonaro e da pandemia.
Barretão — que completa 96 anos nesta segunda (20), mesma data em que “Bye Bye Brasil” será exibido no evento — tem histórico antigo com o festival, participando de obras selecionadas em Cannes desde os anos 1960. A primeira delas foi “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos, na qual atuou como fotógrafo.
Na mesma função, também compôs a equipe de “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, selecionado ao festival em 1967. Nas seleções das décadas seguintes, produziu obras como “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969), de Glauber Rocha, “Azyllo Muito Louco” (1970) e “Memórias do Cárcere” (1984), ambos de Nelson Pereira dos Santos.
Karim é outra figura já com história em Cannes, seja na seleção oficial ou em mostras paralelas, seja como roteirista ou diretor. A primeira vez que o cearense levou um filme ao festival foi em 2002, com “Madame Satã”, obra selecionada na mostra Un Certain Regard, a segunda mais importante.
Outro destaque foi “A Vida Invisível”, em 2019, que venceu o prêmio principal da Un Certain Regard daquele ano. Em 2023, o longa de estreia de Karim em inglês, “Firebrand”, foi também indicado à Palma de Ouro.
A seleção de “Motel Destino”, no entanto, marca a primeira vez que o cineasta leva ao festival uma produção feita na terra natal, com equipe e elenco majoritariamente cearenses. Parte considerável desse grupo, incluindo Mazé, Nataly, Luciana, Wislan e o próprio Karim, passou pela Escola Porto Iracema das Artes, um dos principais pólos formativos de cultura do País hoje.
A “ocupação cearense” de Cannes neste ano vem como mais um passo dado — e espaço ocupado — por profissionais da cultura do Estado. É fruto de um percurso marcado por movimentos coletivos e em prol de políticas públicas, evidenciado por essas presenças. O prêmio, antes de tudo, é esse.
Apesar do ano de inegável destaque deste ano, Ceará em Cannes não é novidade: em 1953, há 71 anos, o longa-metragem “O Cangaceiro” trazia diálogos criados pela escritora Rachel de Queiroz. O filme de Lima Barreto foi a primeira produção brasileira premiada no festival, recebendo o hoje extinto troféu de Melhor Filme de Aventura.
Tanto nos créditos de “Terra em Transe” quanto de “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, além de Barretão, também há o nome de outro cearense, o cineasta fortalezense Zelito Viana, como produtor executivo.
Alargando o olhar, Florinda Bolkan, ícone do cinema italiano que nasceu em Uruburetama, é uma dos destaques do elenco de “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” (1970). Em Cannes, a obra venceu o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio da Crítica.
Além de Florinda, figuras como Denise Dumont (em “O Beijo da Mulher Aranha”, 1985), José Wilker (em “Um Trem para as Estrelas”, 1987) e Gero Camilo (em “Carandiru”, 2000) também participaram dos elencos de longas selecionados ao festival.
Mais recentemente, o filme pernambucano “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, teve presenças cearenses de peso, com Silvero Pereira, Rodger Rogério, Fabíola Liper e Uirá dos Reis no elenco.