28ª Mostra de Tiradentes evidencia 'liberdade' do cinema cearense e demandas do audiovisual brasileiro
Evento que abre o calendário de festivais de cinema do País segue de 24 de janeiro a 2 de fevereiro com 10 produções do Estado na seleção

Dos 140 filmes de todas as regiões que serão exibidos dentro da programação da 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o Ceará e a produção audiovisual do Estado tem lugar de destaque: são 10 obras selecionadas, fazendo do cinema cearense o quarto com maior presença no evento mineiro, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Tal presença, ressalte-se, dá sequência a uma relação histórica da mostra — uma das mais importantes do audiovisual brasileiro contemporâneo — com a arte feita no Ceará. Neste ano, há longas e curtas cearenses nas mostras Aurora, Olhos Livres, Formação, Panorama, Autorias e, ainda, na Conexão Brasil CineMundi, para obras em desenvolvimento.
Veja também
“A 28ª edição da Mostra Tiradentes reafirma seu propósito de ser uma importante e diferenciada plataforma de lançamento do cinema brasileiro contemporâneo”, define Raquel Hallak, diretora da Universo Produção e coordenadora geral do evento. Como destaca, o evento é norteado em 2025 pela temática “Que cinema é esse?”.
“Esperamos provocar com esta indagação reflexões sobre as mudanças, transformações e novos rumos na cena audiovisual, com senso de provocação, deslocamento de sentidos e sensações e oferecer um espaço de encontros e trocas para discussões sobre tendências e desafios do cinema brasileiro”
"Diversidade expressiva" do cinema cearense
Os longas cearenses selecionados evidenciam as intenções da temática. Na Mostra Aurora — que neste ano é dedicada somente a primeiros longas-metragens —, “Resumo da Ópera”, com direção de Honório Félix e Breno de Lacerda, aproxima o audiovisual do teatro. A produção é dos grupos No Barraco da Constância Tem! e Teatro Máquina, com coprodução da Marrevolto Filmes.
A produtora audiovisual também aparece como responsável pelo longa “Centro Ilusão”, de Pedro Diógenes, selecionado para a Mostra Autorias e que explora, por sua vez, a linguagem da música.
Como destaca o coordenador curatorial Francis Vogner dos Reis, a produção cearense deste ano em Tiradentes ressalta o que chama de “diversidade expressiva”. “São relações variadas que estabelecem com a prática documental, o exercício ficcional a partir — muitas vezes — da visada documental, mas também uma relação fértil com o teatro, que não é de agora e o cinema cearense tem demonstrado cada vez mais”, aponta.
Na Mostra Olhos Livres, há ainda “Batguano Retuns - Roben na Estrada”, coprodução da Paraíba, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. Na Mostra Foco, de curtas, o filme “Ver Céu no Chão” (CE e RJ), de Isabel Veiga.
Completam a seleção cearense o curta "Vermelho de Bolinhas", de Joedson Kelvin e Renata Fortes, na Mostra Panorama; e, na Mostra Formação, para curtas produzidos em ambientes formativos, os filmes "Do lado de dentro", de Marina Hilbert; "O Medo Tá Foda", de Esaú Pereira; "Poesia no vinho de seus lábios", de Matheus Monteiro; e "sirius não é tão longe", de Nick Sanches. Finalmente, "Morte e Vida Madalena", de Guto Parente, será exibido como projeto em desenvolvimento.
Na parte da programação que estará disponível on-line, consta o cearense “Vermelho de Bolinhas” na lista de 31 obras. Será possível assisti-lo no site da Mostra de Tiradentes entre 16 horas do dia 30 de janeiro e 16 horas horas do dia 2 de fevereiro.
“É com muita alegria que dividiremos tela com outros filmes cearenses em Tiradentes, em um festival tão importante pro cenário do audiovisual brasileiro. Já é possível perceber uma grande diversidade de narrativas e experimentações estéticas na seleção deste ano”, destacam Honório e Breno, de “Resumo da Ópera”.
Em diálogo, o diretor Pedro Diógenes e a produtora Caroline Louise, ambos de “Centro Ilusão”, ressaltam: “A Mostra de Tiradentes é um dos mais importantes eventos do cinema brasileiro pelo fato de ter um olhar atento às novidades e aberto para as invenções. Não é à toa que a trajetória do cinema cearense contemporâneo esteja tão ligado a Tiradentes”.
Definindo as produções exibidas na mostra como “um importante e simbólico recorte do nosso cinema”, Pedro e Caroline creditam a presença cearense notável a bases políticas, mas também criativas.
“Ter tantas obras cearenses exibidas na Mostra de Tiradentes é nitidamente fruto de políticas públicas e do investimento em formação no nosso estado, mas também demonstra como nosso cinema é plural e como continuamos produzindo ano após ano apesar das dificuldades”
“A presença dessas obras cearenses reafirma o impacto das nossas produções no cinema nacional, dando a ver a nossa competência na articulação de narrativas potentes e contemporâneas, conectadas a questões sociais, políticas e culturais do Brasil”, dialogam Breno e Honório.
As impressões são alargadas na avaliação do curador. “O audiovisual no Ceará tem uma liberdade que me parece muito saudável para o cinema brasileiro e precisa ser vista de perto e com atenção, não só dentro do Estado, mas em nível nacional”, ressalta Francis.
“É um cinema com uma dicção própria e com uma diversidade expressiva muito singular, que me parece muito diferente de um certo tipo de padronização que o audiovisual contemporâneo do mundo tem enfrentado por meio das plataformas que exigem o mesmo valor de produção, determinadas regras narrativas que a gente pode chamar de hegemônicas”
Demandas do audiovisual em debate
A visão geral de Francis sobre o panorama geral do audiovisual cearense ecoa uma vocação central da Mostra de Tiradentes: a atenção para os modos de fazer, sejam eles no campo mais livre da criação ou concreto da prática de produção.
A coordenadora geral da mostra Raquel Hallak ressalta, nesse sentido, o papel do Fórum de Tiradentes, instância de discussão e construção de proposições para o setor que foi inaugurada no evento em 2023.
“O Fórum tem se dedicado a levantar as principais demandas do setor audiovisual, e sua relevância se manteve forte, principalmente diante dos desafios enfrentados pelo cinema nacional, que ainda luta por maior reconhecimento e apoio institucional”, aponta.
O encontro se encaminha, neste ano, para a terceira edição. “Muitas transformações foram operadas no setor audiovisual desde janeiro de 2023, quando inauguramos o Fórum sob o signo da esperança impulsionada pela eleição do Presidente Lula e a reconstrução do Ministério da Cultura”, ressalta Raquel.
Iniciativas, conquistas e retomadas alcançadas a partir dele, ela elenca, incluem “retomada das ações de fomento através da Lei Paulo Gustavo, da operacionalização das linhas do FSA e da programação de editais da Secretaria do Audiovisual” e o “encaminhamento de pautas legislativas e regulatórias” como a cota de tela, entre outros.
As demandas da 3ª edição, adianta Raquel, estão focadas em recomendar a “formulação da nova política nacional do audiovisual”. Segundo a coordenadora, a Mostra também pretende, no escopo desta edição, “insistir com a pauta regulatória das plataformas de conteúdo digital, impactos da TV 3.0 e da Inteligência Artificial no setor audiovisual e continuar sendo um espaço de experimentação e diálogo”.