Rusga entre Ceará e Rio de Janeiro em operação na Rocinha expõe a fragilidade da segurança no Brasil

Sem um comando nacional, o País continuará a perder a guerra para as facções criminosas, que se organizam de maneira profissional

Escrito por
Inácio Aguiar inacio.aguiar@svm.com.br
(Atualizado às 08:46, em 09 de Junho de 2025)
Legenda: Operação conjunta entre os dois estados tinha tudo para ser uma prova de articulação interestadual, mas evidenciou a falta de uma coordenação nacional na segurança
Foto: Divulgação/MPCE

Na última quinta-feira (5), o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, deu uma grave declaração a imprensa: ele sugeriu que, se houve vazamento da operação em conjunto das polícias daquele estado e do Ceará na Rocinha, teria partido de autoridades cearenses, e não cariocas. O gestor não tinha provas do que estava dizendo, ele apenas tentou jogar para o outro lado a responsabilidade pelo possível fracasso da ação. 

A operação, realizada no último dia 31 de maio na comunidade da Rocinha, tinha tudo para simbolizar um esforço louvável de cooperação no combate ao crime organizado. Mas o que deveria ser um exemplo de articulação interestadual só evidenciou a falta de coordenação nacional no enfrentamento ao crime e uma constatação desoladora: o Estado brasileiro sucumbe diante de um inimigo poderoso e articulado: as facções criminosas.

A grave declaração do governador do Rio evidência mais do que um mal-estar entre estados. Expõe, na verdade, a ausência de um sistema nacional de segurança pública. Sem um comando centralizado, os entes federados podem até cooperar, mas será insuficiente diante da complexidade da tarefa.

O episódio revela o que já se tornou óbvio para os especialistas e para os cidadãos que convivem com a escalada da violência: o Brasil está perdendo a guerra para o crime organizado. E mais: não será possível reverter esse quadro sem cooperação e liderança federal.

Facções dominam territórios, articulam eleições e humilham o Estado

A operação pretendia prender chefes do Comando Vermelho no Ceará, escondidos em mansões na Rocinha, de onde comandam o tráfico de drogas e ordenam execuções em território cearense.

Segundo as investigações, os criminosos fugiram em massa pela mata momentos antes da chegada das forças de segurança, o que sugere preparo logístico e conhecimento do terreno, algo típico de grupos com formação em táticas de guerrilha.

Esse preparo não é recente. A facção está inserida em praticamente todos os estados, investindo em negócios, comprando proteção e, agora se sabe, interferindo diretamente nas eleições municipais.

O caso de Santa Quitéria é emblemático. Ali, a facção teria ajudado a eleger um prefeito e um vice com métodos típicos do crime organizado: compra de votos, distribuição de drogas, ameaças armadas e envio de dinheiro vivo para o Rio de Janeiro como pagamento pelos “serviços” prestados.

Estamos diante de uma estrutura criminosa que opera com inteligência logística e influência política. Os crimes, lamentavelmente, não encontram uma resposta à altura por parte do Estado brasileiro.

A fragmentação institucional alimenta o crime

O episódio da Rocinha e suas consequências apontam para uma falência estrutural. Não basta boa vontade de governadores ou ações localizadas nas polícias estaduais. Sem uma autoridade nacional capaz de coordenar operações, integrar bancos de dados, articular investigações e controlar fronteiras, o crime continuará ditando as regras.

Hoje, o crime já se move entre estados e países com mais fluidez do que as polícias atuam dentro de uma mesma unidade da federação.

As insinuações entre as autoridades do Rio e do Ceará apenas reforçam esse descompasso. Enquanto as facções atuam com recrutamento e disciplina, os estados se desentendem publicamente em torno de operações que deveriam ser simples. Esse contraste é preocupante.

É preciso federalizar a resposta ao crime

A Constituição prevê o papel do governo federal na segurança pública. Esse papel, no entanto, ainda é tímido, reativo e marcado por improvisos. É urgente uma política nacional de enfrentamento ao crime organizado que vá além das operações midiáticas. As ações precisam ser transversais, com a atuação conjunta do Judiciário, Ministério Público, Forças Armadas, Receita Federal, Polícia Federal e, claro, governos estaduais.

O caso da Rocinha, embora pontual, mostra a vulnerabilidade do Estado brasileiro diante de uma ameaça que já não respeita limites geográficos nem institucionais. Não há mais tempo para ilações. Ou o Brasil decide combater o crime com a força e a articulação que ele exige, ou continuará a vê-lo dominar comunidades, influenciar eleições e humilhar instituições.