Paixão por aviação: a culpa é dele (uma homenagem ao meu pai, que nos deixou recentemente)
Esse amor pela aviação comercial (sempre explico) tem raízes muito claras. Iniciou-se com as viagens que meu pai, Lauro Junior, fez quando trabalhava e levava a família (o papai era doido por aviões também).
Meu pai trabalhava na saudosa Teleceará, sempre era lembrado como “o cara que instalava linhas telefônicas”. Na década de 90, ter um telefone ainda era um desafio para muitas pessoas.
Nessa missão, realizava muitos cursos da empresa para se atualizar. Num desses treinamentos para Campinas-SP, fomos a família toda: meus pais, meu irmão mais novo e eu.
Daí, certamente chegando ao terminal antigo de Fortaleza, o ano era 1993, a visão do 767-200 da Transbrasil transformou a vida de uma criança. Meu pai apelidou o belo avião de “brancão” (pela cor toda branca da fuselagem), termo que me marcou bastante. Certamente, todo meu amor pela aviação se iniciou aqui.
Na ocasião, lembro vagamente de um embarque noturno no Pinto Martins, ainda no terminal da Vila União. O retorno foi feito após um mês e pouco. Há fotos lindas da minha mãe com meu irmão bebê, descendo, no retorno à Fortaleza, de um 767 da Transbrasil num início de manhã.
Engraçado dizer que o papai tinha receio de viajar certas vezes, sobretudo com turbulências. Uma vez comentou que num voo entre Fortaleza e São Luis, o tempo era muito ruim “tudo branco de nuvens”. Pediu um calmante a um passageiro do lado para terminar o voo. Eu já comentei que também peguei esse medo de turbulências dele.
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O amor foi ficando sério
O amor por aviões foi ficando muito sério. Quando o papai me trouxe em 2003 de Juazeiro para fazer Ensino Médio em Fortaleza, fiquei sabendo de um local onde se treinavam estudantes para construir aviões. Acho que pirei quando soube. Não queria ser engenheiro, queria entrar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e aprender tudo sobre aviões.
Sabendo dessa minha vontade cada vez maior, no meu segundo ano do ensino médio, fora até um curso preparatório para o ITA, em 2004, e trouxe a prova de vestibular do ano anterior. A vontade aumentou ainda mais, mas percebi que o desafio era gigante.
Ele foi até o meu colégio e conversou com um professor de Física. Ficara muito feliz quando o Professor lhe incentivou a me colocar para estudar para o ITA, disse-lhe: "olha, o rapaz tem potencial".
O papai chegou a me levar para conversar com um empresário de ônibus de Fortaleza que era ITEANO também. Ele contava que haviam sido colegas de faculdade em Fortaleza (o papai era engenheiro elétrico), mas que esse empresário era tão bom aluno que saiu de Fortaleza para o ITA.
Assim, com o apoio incondicional do Sr. Lauro Jr., não tive dúvidas e fui fazer o 3º ano do Ensino Médio em uma turma ITA-IME, em 2005. O início não foi nada fácil.
Promessa ao pai
Como não passei da primeira vez, ele ficava sempre acompanhando de perto, perguntando sobre como estava a minha evolução. Eu explicava que era difícil, mas que eu estava progredindo, aprendendo muita coisa nova e sentenciei: “Pai, ainda vou ser engenheiro aeronáutico”, lembro bem.
Quando passei, era dezembro de 2007, o ITA enviou um conjunto grande de correspondências pelo correio. Eram textos, cartilhas com fotos, instruções de como seria a vida dali em diante, inclusive uma carta de agradecimento aos pais.
Lembro que ele dizia: “meu filho, olha como é lindo o Salão Negro do ITA”.
Idas ao Pinto Martins
Nós costumávamos ir muito ao aeroporto Pinto Martins ver os aviões do antigo terraço panorâmico. Uma imagem que marcou muito a gente foi a passagem baixa que o Airbus A340-300 da Ibéria fez sobre o Pinto Martins, fomos juntos observar! Esse grandão passou sobre a pista a não mais que 150 metros de altura, fez uma curva à esquerda passando sobre o Dionísio Torres e voltou para pouso: estava inaugurado o voo Madri-Fortaleza, era 2011, férias da faculdade.
O orgulho do filho fazendo engenharia era grande. Quando me mudei para São Paulo, entretanto, não imaginei que seria o fim quase que definitivo da nossa convivência. Nós nos víamos apenas 2 ou 3 vezes por ano: julho e final de ano principalmente. Ele foi ficando doente da memória, perdendo a lucidez.
Certa vez, noutras férias da faculdade, novamente no aeroporto, ele perguntava de onde vinham alguns aviões que acabavam de pousar. Como eu tinha já um aplicativo de voos no celular, respondi sem dificuldades.
Fiquei triste quando um minuto depois ele perguntara a mesma coisa: “Igor, de onde vêm esses aviões?”. (...)
Na minha formatura, em 2012, foi até São Paulo. Ele estava muito feliz, mas era como se houvesse algo errado. Ele já tomava medicações psicotrópicas, ele vibrava diferente.
Em 2013, fui morar em Salvador e levei meus pais para passar alguns meses comigo. Ele havia se perdido algumas vezes, muito já não era o mesmo.
Próximo sábado, dia 08/04/2023, vão se completar 7 dias que o papai descansou. Foram anos turbulentos, sem lucidez. No finalzinho, anos acamados, muito difíceis. Até o cheiro que eu dava nele foi ficando mais difícil de dar, porque eram muitas infecções.
Fico pensando como o Sr. Lauro Junior ficaria feliz de ler toda sexta-feira a coluna do filho sobre aviões. Saiba, pai, que o Sr. é o "culpado" de tudo, desde a infância, as revistas com o “brancão”, a faculdade, o chato que comenta em fóruns de aviação e, por fim, a minha querida coluna no Diário!
Foi tudo o Senhor! Obrigado, te amo (para sempre)!