O que causa turbulência e o que os pilotos fazem para evitá-la?
Eu tenho medo de turbulência. Começo a coluna reconhecendo que sou do ramo, mas tenho medo de turbulências.
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Já fui frequent flyer (passageiro frequente), sobretudo à noite, e sempre antes do embarque checava vários aplicativos de meteorologia, imagens de satélites para ver a cobertura de nuvens na rota para o meu destino, verificava se havia chuva em aeroportos no caminho etc. Obviamente, minha análise era de um (semi) leigo.
Quando não via imagens de satélites muito coloridas (poucas nuvens), ficava mais tranquilo, já que, se houvesse turbulência, seria daquele tipo turbulência de céu claro. Esse tipo de perturbação do ar era invisível aos radares do avião, logo, não adiantava ficar sofrendo por antecipação, uma vez que havia a chance de não balançar (muito).
Para os casos em que São Pedro não ajuda, ou seja, quando há muitas formações (nuvens), os pilotos conseguem saber direitinho por onde voar, fazendo desvios para atravessarem a menor quantidade de formações à frente, são treinados para isso.
Muitas vezes, porém, o melhor custo-benefício para a viagem passa por atravessar formações, quando, por exemplo, em poucos minutos o avião possa deixar o mau tempo para trás. Ou então não há o que ser feito e as nuvens precisam ser encaradas.
Aí que começa a ansiedade. Ficar guardado em nuvens (aquela hora em que você enxerga tudo branco ou (à noite) nota que a atmosfera reflete muito o piscar das asas) por minutos causa o início do medo de saber que poderemos ter turbulências. Meu pai já compartilhava comigo do medo de estar dentro de nuvens.
Pilotos a quem perguntei reportaram que a condição de voar entre nuvens não necessariamente fará o avião balançar (o que é verdade). Porém, como tudo na vida é estatística, sei que haverá vezes em que vamos balançar. Ademais a própria Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) reconhece, porém, que as turbulências são mais comuns em condições de nuvens.
Por que balança?
A causa pode ser por vários motivos como vento, rajadas, variação de densidade do ar.
Se considerar que estamos dentro de nuvens e não há variação de vento, a densidade variante do ar com gotículas de água e gelo faz as forças de sustentação sobre as asas variarem. Daí, podemos sentir o avião subindo ou descendo, indo para um lado ou outro, quando como um carro em alta velocidade passa sobre um buraco no asfalto.
Então se as nuvens são mais ou menos densas, isso já faz o avião sair do estado nivelado.
De onde vem o nome turbulência?
A referência ao termo turbulência vem da mecânica dos fluidos (matéria de muitas engenharias), em que qualquer fluido como água e ar escoa segundo um fluxo laminar ou turbulento.
No fluxo laminar, as camadas de matéria deslocam-se pelo espaço bem comportadas, ordenadas, paralelas umas às outras: as camadas de fluido não se misturam. No fluxo turbulento, é o contrário, o deslocamento é caótico, com as camadas se misturando e a velocidade do fluxo variando de ponto a ponto.
Então com a figura acima, já dá para ver o porquê do nome turbulência e o porquê do avião balançar. Essas perturbações no ar vão perturbar o movimento do avião.
Ouvindo a fonia aérea, por exemplo, no aplicativo do LIVEATC escuto algumas vezes os pilotos reportando níveis de turbulência: turbulência leve, moderada e severa.
Esses níveis dependem da velocidade das rajadas, de quanto varia a velocidade da aeronave, se objetos soltos se movem, se fica difícil de se movimentar pela aeronave, e do tempo da ocorrência.
Toda vez que passo por uma turbulência mais pesada, pergunto-me se não seria uma do tipo severa, porém, vendo voos que já enfrentaram grandes transtornos, vejo que nunca passei nem perto.
O que os pilotos fazem?
Os aviões têm radares meteorológicos, ficam no nariz do avião. Esses radares conseguem “ver” nuvens afastadas centenas de quilômetros do avião, inclusive, o que está atrás dessas nuvens. Assim, os pilotos conseguem desviar da rota para evitar entrar nas formações. Solicitam para o controle de tráfego: “Controle Fortaleza, esse é o LATAM 1234, solicito desvios para evitar formações”.
Os controladores checam seus radares e verificam se os desvios podem ser realizados, dado que podem haver outros aviões em sentido contrário, por exemplo, e autorizam os desvios: “LATAM 1234, desvios autorizados”.
Já ouvi muito também que os pilotos reduzem a velocidade para a chamada velocidade de penetração. O Psicólogo de Aviação e Instrutor de voo Erasmo Melo cita que a velocidade de penetração mitiga o risco de dano estrutural da aeronave.
Minha percepção também é de que, reduzindo a velocidade, o balançar do avião será menor, é como fazemos numa estrada quando vamos passar por um asfalto ruim.
Como os pilotos reagem? Toda vez que eu acho que vai ficar ruim (nunca ficou), eu imagino o que os pilotos estão fazendo lá na frente, se estão tensos, se estão gritando passando instruções. Queria muito nessa hora estar lá dentro para verificar de fato o que é feito.
Dizem alguns pilotos que é totalmente o oposto: há calma e disciplina. Eles vão tentar ajustar velocidade, tentar fazer algum desvio mais relevante, pedir mudança de altitude. Li de um piloto (askthepilot.com) que se a coisa fica ‘feia’, porém, eles nem tocam nos controles, pois seria uma péssima ideia lutar contra o monstro lá fora para “estabilizar o avião”.
Certa vez, num voo para Belém, atravessávamos uma área dessas com nuvens feias. Pensava comigo: “por que o piloto não desce para sair dessa nuvem?”. Quando descemos em Belém, fui conversar com os pilotos, falar do meu medo. Eles disseram haver uma área ruim no radar, entre amarelo e vermelho, as piores cores. Perguntei sobre se não dava para descer e evitar as nuvens. A resposta foi justamente a de que nessas horas, alterar o estado do avião, pode fazer com que o incômodo se torne maior. Então na hora ruim, de fato, melhor das coisas pode ser apenas aguardar passar.
Assim já percebi que é unânime o que dizem: os pilotos encaram a turbulência como apenas uma fase do voo que pode ocorrer. Encaram com tranquilidade. O Comandante Erasmo Melo adiciona que a ordem de ação em áreas de instabilidade é:
- Reduzir a potência dos motores para um regime menor do que o regime de cruzeiro;
- Alterar a rota para o lado que o radar indicar menor gravidade de formações;
- Subir ou descer conforme seja mais apropriado;
- Evitar manobras bruscas (alterar demais o estado da aeronave);
- E coordenação de cabine (CRM – Crew Resource Management).
Avião é seguro?
O avião é o meio de transporte mais seguro do mundo. Em 2019, 4,5 bilhões de passageiros voaram. Nesse momento, estão nos céus do mundo, por volta de 8 mil aviões, mais de 100 mil voos por dia, milhões de passageiros.
A taxa de acidentes aéreos é de 0,000017% e à medida que o tempo passa, a segurança só aumenta, porque se aprende muito com falhas e incidentes.
A média de pessoas que se machucam por ano devido a turbulências é de 100. Metade desse valor são comissários que, pelo trabalho, passam mais tempo sem cinto de segurança. A outra metade era de grande quantidade de passageiros que não usavam cinto.
Os aviões são projetados para resistirem a cargas estruturais elevadas, muito além do que experimentarão. Por exemplo, as asas dos jatos mais modernos apresentam certa flexibilidade, ou seja, as pontas das asas conseguem balançar para cima e para baixo, quando recebem esforços.
Pois o teste estrutural das asas as leva até uma situação extrema de stress, elevando as pontas das asas muitos metros para cima e para baixo e estas não quebram: a câmara de tortura.
Logo, o meu medo de turbulência (não é medo de voar) e o de milhares de pessoas não encontra nenhum respaldo em fatos, mesmo que seja difícil explicar para o cérebro.
O estudo de turbulências faz parte do curriculum de formação dos pilotos, sendo abordada com profundidade na disciplina Meteorologia aeronáutica, conforme estabelece a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI).
No final, vamos sempre empatar o número decolagens com o de pousos.
Como tentar reduzir a ansiedade na turbulência?
Vou dizer o que eu faço para tentar reduzir minha ansiedade. Quando começa a balançar, eu fecho os olhos e me firmo o máximo que posso, segurando a parte de baixo do meu assento. Com isso, tento me “amarrar” ao máximo ao avião, para evitar o movimento relativo entre mim e o assento. Outra forma, seria a de segurar forte no assento da frente.
Essa estratégia de fechar os olhos conversa com o raciocínio de dar menos atenção à turbulência, fazendo com que o cérebro foque em outra coisa. Muitos dizem que ouvir música, olhar para o celular e tentar escrever seu nome num papel com a mão que você não escreve podem ser estratégias.
A ideia é que você fará tanto esforço para escrever com a outra mão, que pode realmente se distrair. Tentarei isso da próxima vez.
Da última vez que voei e entramos numa nuvem escura, quando estava agarrado na poltrona da frente, lembrei-me de outra técnica. Conversar com a pessoa ao seu lado.
Para escrever essa coluna, li bastante sobre o assunto, além de ter visto vários vídeos. Muitos dizem que uma das melhores estratégias para se perder o medo, é o conhecimento, conhecer mais sobre voo e as fases dele. Assim, há uma quantidade enorme de material disponível gratuito na internet que pode te levar a aprender sobre turbulência e ter menos medo.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor