Fenômeno Beluga: por que o avião de carga fez tanto sucesso em sua passagem pelo Brasil?

Legenda: Multidão contemplando o “estranho” Beluga-ST em Fortaleza
Foto: Fabiane de Paula

Na faculdade, um professor de aerodinâmica certa vez deu a entender que, com o motor certo e um par de asas, qualquer coisa consegue voar.

Essa foi a minha primeira lembrança quando vi o Beluga-ST (Super Transporter), o avião cargueiro da Airbus. Já havia tomado conhecimento dele, porém, nada como o frisson causado essa semana pela vinda do modelo ao Brasil pela primeira vez.

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O avião veio procedente da França, e nossa estimada Fortaleza foi escolhida, certamente pela localização, para uma escala técnica de abastecimento e pernoite para, no dia seguinte, seguir até Campinas, destino da aeronave. Sim, a admiração com o Beluga foi tão grande, que até o frete dele virou notícia: trouxe um moderno e luxuoso helicóptero.

Aconteceu de tudo na chegada da aeronave: transmissão ao vivo pela internet, grande aglomeração de pessoas nos gradis próximos ao Terminal de Cargas, fotógrafos credenciados, spotters (fotógrafos fãs de aviação), quebra de escada usada como plataforma de observação, salva de palmas, gritos de admiração, etc.

Houve certa parcela de queixas com o fato de o aeroporto de Fortaleza não ter realizado o batismo da aeronave, aquela que ocorre com os caminhões da seção contra-incêndio: o batismo fora realizado em Campinas. Ademais, foi bem maior a queixa sobre o fato do concessionário do aeroporto alencarino não ter criado uma região para abrigar do sol pessoas que quisessem ver a baleia voadora. 

O 'estranho' Beluga

O Beluga tem formas incomuns para a aviação comercial (minha favorita) que prima por corpos aerodinâmicos, otimizados, esbeltos e por que não, bonitos. O Beluga que veio não era a versão simpática que tem o sorriso da baleia.

Legenda: Representação do A300-600, que deu origem ao Beluga
Foto: Reprodução

Para que ele voe, a fabricante Airbus utilizou boa parte da fuselagem de um dos seus aviões mais consagrados, o A300, que já não voa mais no Brasil, sobretudo porque está obsoleto.

As mudanças começam de metade para cima da fuselagem, justamente para abrigar o compartimento da aeronave para cargas gigantes: essa parte é o grande must see do Beluga e é a razão para ser chamada de Beluga, devido à semelhança com a “testa e dorso” do belo mamífero aquático.

Assim, a cabine do avião/nariz do avião teve que ser rebaixada de forma a não atrapalhar a “boca” de admissão de cargas, veja na foto: o nariz do avião fica rente ao teto do guindaste.

Para aumentar a estabilidade da aeronave, as empenagens horizontais (“asas traseiras”) são dotados de pequenos estabilizadores verticais, outro diferencial do Beluga. (Como curiosidade, a Boeing adotou a mesma estratégia no avião que carrega o ônibus espacial.)

A versão que veio ao Brasil é o Beluga-ST, versão primeira do cargueiro. A Airbus já prepara a versão XL ou extra-large (extra grande) do avião.

Quão grande é o Beluga?

O Beluga-ST (A330-600ST) tem 56m de comprimento, que não o credencia como um dos grandes jatos do mundo. Sua envergadura, ou distância entre as pontas das asas, é de 44m, que é bem menor que seus irmãos mais novos A330 e A350.

O Beluga é um avião “leve” frente aos grandes jatos cargueiros do mundo: tem 165 mil kg. Um cargueiro 747 tem peso máximo de decolagem de 450 mil kg.

Legenda: Detalhe da "boca" (aberta) de admissão de cargas
Foto: Reprodução/Redes sociais

A parte mais alta do avião continua sendo seu estabilizador vertical (cauda de tubarão), que tem 17m. O compartimento de cargas com 1400m3 pode ser comparado a um cilindro com raio interno aproximado de 3,5m. Então o Beluga que visitou Fortaleza é superlativo na sua grande capacidade de carga, não nas suas dimensões em si.

Desempenho do Beluga

Uma coisa eu já sabia, o Beluga não fora feito para ser aerodinâmico, econômico.

Queria porém, achar uma forma de quantificar quanto a forma rombuda (termo técnico), que significa esférico, cilíndrico, menos aerodinâmico, atrapalha o desempenho do Beluga. Parti então da aeronave que deu origem a ele, como dissemos o A300-600.

Uma primeira surpresa foi perceber que o A300-600 consegue carregar estruturalmente, o mesmo peso do Beluga, ou seja, aproximadamente 40 toneladas, mesmo que só carregue 280 passageiros.

Legenda: Carga transportada pelo Beluga
Foto: Divulgação

Logo, a aeronave que deu origem ao Beluga nasceu reforçada, com uma folga de 10t de peso. Por isso, devem ter percebido que não seria grande desafio teórico criar o Beluga. Assim,  verificando em ábacos da fabricante, se carregasse as 40t, o A300-600 teria um alcance máximo de aproximados 4000 km.

E o Beluga? Como informado, o alcance do beluca com as mesmas 40t, seria de 2800km, 70% da capacidade do avião de onde foi criado.

O que explica essa grande diferença de alcance? Isso pode ser atribuído à sua forma larga que está associada à grande força de resistência no ar, ou seja, o A300 fura o ar muito mais fácil que o Beluga. 

Ademais, estando associado ao carregamento de 40t, algo como 400 pessoas, quanto mais pesado, mais arrasto o Beluga terá.

Igor, como então o Beluga conseguiu cruzar o atlântico até o Brasil, já que tem apenas 2800 km de alcance?

Realizando uma escala técnica em Dakar no Senegal no extremo oeste africano. Como não estava com peso máximo, já que a carga trazida pesava apenas 6 toneladas, conseguiu chegar à Fortaleza sem problemas, fascinando milhares de pessoas.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor

 



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