“Onde está o amor?”: o exercício do afeto entre casais LGBTQIAP+

O tempo caminha com suas bainhas bordadas e leva consigo todas as certezas sobre uma forma de amor, uma forma de ser, uma forma de sentir

Legenda: Eles gostam de dançar na madrugada, mas foi sob o brilho da tarde que se sentiram conectados com a vitalidade do afeto
Foto: Acervo pessoal

Não há emancipação para quem está à margem do poder quando presunçosos, com caneta de pena e tinta de ouro, impõem sua absoluta verdade sobre vida, identidade, sexualidade e crença. Em 1969, em Nova York, nos EUA, a polícia realizou uma batida no bar Stonewall Inn, lugar de acolhimento para as pessoas LGBTQIAP+. Nessa data, as forças ou autoridades policiais renderam funcionários e, com uso de extrema violência, detiveram frequentadores do estabelecimento.

A população ocupou as ruas para reivindicar sua liberdade de viver e amar de forma segura. No Brasil, em São Paulo, em 1983, mais um bar era cenário de outro protesto. Foi no Levante do Ferro’s Bar que ocorreu a primeira manifestação protagonizada por lésbicas contra a discriminação. Episódios como esses foram fundamentais para a conquista dos direitos da comunidade LGBTQIAP+.

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Diante de tantas barricadas, indaga a poetisa Lívia Natália: “como se tece o amor com dedos feridos?”. Curativos, pastilhas de carinho e doses avantajadas de insurreições. O amor é potência, energia e cinesia. Toni Morrison, em sua obra “Beloved”, diz que liberdade é quando você pode “amar qualquer coisa que quisesse sem precisar de permissão para desejar”. “Como se tece o amor com dedos feridos?”. O sangue é estancado quando se contam histórias de amor. Contarei algumas.

Legenda: Sy Gomes, 25 anos, travesti; Jorge Lorenzo, 28 anos, transmasculino
Foto: Arquivo pessoal

Sob a bênção das águas do Velho Chico, nasce um amor em movimento. Que desliza sem pressa e que não oscila nos intervalos impostos pela distância. Entre um beijo e uma despedida, ela, carregada de vivacidade e de luz, abre o coração e profere a oração dos românticos: eu te amo. Jorge acreditava não ser mais um sonhador até sentir o peso do vazio que invadiu seu peito depois do último abraço nela. Brilhante no dedo, banhos de sal, retratos de amor: a vida sensível mistura dengo, quereres e fé. Pode ser e é, porque seja qual for o lugar, a sintonia de Sy e Jorge tem o vigor suficiente para ativar vulcões, rios e mares.

Legenda: Brenna Carvalho, 30 anos, mulher cis, pansexual; Tainã Maciel, 26 anos, mulher cis, bissexual
Foto: Arquivo pessoal

Quando se encara a dor nos olhos, o encanto quebrado cede lugar ao desassossego. Solitária, ela corre. Sem etiqueta, método ou cálculo. Ela corre até acreditar que é “aquebrantável”. Ela corre até ser imobilizada pela energia vital de outra mulher-lua. Quando a noite adormece, elas não correm mais sozinhas. Compartilham agora a magia de mudar o céu de cor.

Plantam beijos ao redor da casa. No baile, dançam com as estrelas. Na rua, erguem cartazes de luta. Em casa, cafuné vira abrigo. Tomadas de fé, ao entardecer, constatam: “eis aí o meu coração” ou, quando menos, um retalho dele. Aquele que, entre juramentos e sacramentos, da ponta do seu tecido esfiapado, ainda guarda apetite para o encantamento.

Legenda: Iury Aldenhoff, 28 anos, homem negro, gay; Edvaldo Batista, 43 anos, homem branco, gay
Foto: Arquivo pessoal

Eles gostam de dançar na madrugada, mas foi sob o brilho da tarde que se sentiram conectados com a vitalidade do afeto. Um punhado de café e um bocado de assunto foram ponto de partida para uma viagem que beija o sol. Ilumina na mesma medida que arde. Ter disposição para queimar, desrotinar e rasgar é um ato de coragem. Nas dobras da vida e nas curvas dos dias, não escondem o segredo que domina o peito.

O tempo caminha com suas bainhas bordadas e leva consigo todas as certezas sobre uma forma de amor, uma forma de ser, uma forma de sentir. Transmutaram os caminhos e jogaram fora as cascas douradas das horas. Quando se vê, já foram nove anos! Ao olhar para o relógio e para o espelho, eles se deparam com uma multiplicidade de si. E, sem surpresa, disseram sim para todas suas versões.

Bandeira da diversidade
Foto: Ismael Soares / SVM

Como lindamente diz a poetisa Tatiana Nascimento, "o amor é uma tecnologia de guerra (cientistas subnotificam arma-biológica) indestrutível". Tentaram ceifá-la, mas ela é indestrutível. Amor é combate, resistência, aconchego e cura. Coloca no pilão a aroeira, a arruda, a cunanã, o pinhão branco e o amor. Amassa, pisa e esmaga. Pega a mistura e passa na ferida. Mente assentada, língua afiada, cânticos milagreiros. “O Amor é o que o amor faz”, afirma bell hooks. Façamos!

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