Como introduzir assuntos difíceis no dia a dia com os filhos
A infância não é uma bolha e o diálogo é o maior presente que podemos dar
Esses dias, me peguei refletindo sobre o dia a dia com a Beatrice e sobre a experiência de formar um ser humano. Existe mesmo um tempo certo para tratar de assuntos como convivência, acolhimento, morte, realidade financeira, sexualidade ou até mesmo o simples “não gostar?".
O tempo corre diante dos nossos olhos e, muitas vezes, acreditamos que podemos esperar o “momento certo” para conversar. Mas será que dá mesmo tempo de medir o que pode ou não ser comentado? Enquanto pensamos, a vida continua, e nossos filhos estão ali, atentos, absorvendo tudo ao redor.
Por isso, escolho não perder tempo com a minha filha. Uso uma linguagem clara e simples: o que ela entender já é ganho. Cada conversa contribui para a construção da pessoa que ela será. Quero ser para ela essa base sólida e segura, que orienta, mas também ensina que o mundo não gira em torno dela.
O professor Rogério Lerner, do Instituto de Psicologia da USP e membro do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), reforça essa perspectiva:
“Mais do que uma idade própria para tocar nesses assuntos, o que importa é a forma como eles são abordados com as crianças. E isso depende muito de como o adulto se sente a respeito do tema. Uma reflexão prévia, emocionalmente qualificada, ajuda para que a conversa seja afetuosa e asseguradora".
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Muitas vezes, nós, pais, caímos na tentação de idealizar a infância como um tempo perfeito, livre de dores e frustrações. Mas essa zona de conforto reforça outra realidade, como lembra Lerner:
“Isso serve muito mais às nossas próprias defesas do que ao desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. É fundamental apresentar as dificuldades da vida de forma cuidadosa, sem omitir e sem expor de maneira crua", destaca.
São temas delicados, mas necessários:
- Convivência: ajudar a criança a entender que o mundo não gira em torno dela, que cada um tem escolhas, e que dividir, acolher e até não gostar faz parte da vida.
- Dinheiro: explicar que recursos são limitados, que escolhas envolvem prioridades e que o valor das coisas vai além do preço.
- Morte: falar sobre perdas com serenidade, mostrando que a finitude faz parte da vida e que o amor permanece como memória.
- Sexualidade: tratar com respeito, adequando a linguagem à idade, mas sem omitir. A curiosidade é natural e precisa de respostas seguras.
- Frustração: mostrar que nem sempre teremos tudo o que queremos, e que aprender a lidar com limites também é crescimento.
O mais importante, como destaca o professor, é manter o diálogo constante:
“Quando a criança percebe que pode conversar sobre experiências intensas, isso se transforma em fator de proteção para o seu crescimento".
E para que isso aconteça, é preciso presença. Presença de verdade, sem distrações.
“Nós somos exemplos. Se passamos muito tempo no celular, será difícil convencer a criança a não fazer o mesmo. É preciso reservar momentos de contato sem telas, porque a tela sempre vai disputar e muitas vezes ganhar a atenção. O que a criança leva para a vida é a qualidade do nosso vínculo e da nossa escuta", reforça Lerner.
Criar filhos é, também, criar conversas. Não há receita pronta, mas existe um caminho seguro: falar, escutar, orientar. O silêncio e a omissão custam caro demais.