Marcas adotam vocabulário médico para vender promessas estéticas

De biquíni “com efeito bariátrica” a creme “botox sem agulha”, marcas transformam termos médicos em slogan para embalar milagre de provador

Escrito por
Elaine Quinderé verso@svm.com.br
Legenda: "Efeito botox” está entre as promessas de cremes faciais para atrair público com linguagem técnica
Foto: Shutterstock

A publicidade descobriu que não precisa de jaleco para parecer científica, só de um bom vocabulário médico. De uns anos pra cá, termos de consultório passaram a estampar embalagens, campanhas e biquínis. Um exemplo disso é a marca Blumi, que lançou o “primeiro biquíni com efeito bariátrica”, como se o tecido fizesse redução de estômago enquanto você toma água de coco na praia. O que quer dizer que a cirurgia virou conceito de moda e o bisturi virou um modelador de lycra.

E esse não é um caso isolado, não é mesmo? Cremes faciais também prometem o tal do “efeito botox”, mas a única agulhada envolvida é a do boleto no fim do mês. Marcas de shampoo dizem fazer “reposição capilar clínica”. E até “legging drenante”, como se o suor da academia tivesse CRM.

Outro termo queridinho do marketing é o “detox”. O fígado, que estudou anos para fazer esse trabalho sozinho, virou coadjuvante de suco verde vendido em pote de vidro com slogan “limpeza profunda”. E tem também o creme “com tecnologia dermatológica” e a água que se diz “antioxidante medicinal”, como se viesse com receita carimbada.

Quando a publicidade se apropria desse vocabulário, não é só força de expressão. É estratégia.

Termos médicos trazem autoridade, mesmo quando a promessa beira a ficção científica: “redução de medidas por compressão linfática têxtil”, “cintura cirúrgica não invasiva”, “sutiã lifting clínico”... Tudo soa muito sofisticado, ainda que a transformação seja mais emocional que anatômica.

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E o efeito colateral disso tudo? A palavra “tratamento” perdeu o jaleco. A cirurgia, que deveria ser assunto de consultório, virou metáfora. O médico perde um pouco da sua autoridade e o consumidor, muitas vezes, embarca acreditando que pode trocar consultas por compras e autoestima por parcelamento. Os prejuízos na autoestima e o estímulo à padrões estéticos cada vez mais irreais não dão nem para mensurar.

Enquanto isso, os órgãos que deveriam fiscalizar correm atrás do bonde, tentando entender se “tecido com efeito lipoaspiração” é só criatividade ou fraude com zíper.

Afinal de contas, a publicidade sabe muito bem que quando o marketing adota a linguagem da medicina, o produto vira promessa e o desejo vira diagnóstico. No fim, o que muita marca faz não é vender roupa, creme ou suco, e sim, vender um milagre embalado com linguagem clínica de TikTok.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora

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