Botox, preenchimento e autenticidade em Hollywood

A atriz Amanda Seyfried revelou ter ficado um ano sem fazer botox para interpretar Ann Lee no novo filme da diretora Mona Fastvold.

Escrito por
Elaine Quinderé verso@svm.com.br
Legenda: Amanda Seyfried vive Ann Lee, líder religiosa no filme O Testamento de Ann Lee, e precisou abdicar de botox para garantir interpretação
Foto: LEON BENNETT / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Em Hollywood, não basta ser talentosa: é preciso ter um rosto que sobreviva ao close em 4K e à comparação cruel das redes sociais. O botox e os preenchimentos faciais entraram nesse jogo como aliados da juventude eterna, apagando rugas e suavizando marcas de expressão. Quantas vezes vimos manchetes falando sobre o “novo” rosto de Lindsay Lohan, Anne Hathaway e tantas outras celebridades?

Mas o preço desse pacto com a estética nem sempre é invisível. Em alguns casos, compromete justamente aquilo que deveria ser intocável: a arte de interpretar.

De um lado, uma indústria que exige que atrizes de 40 anos pareçam ter 25; do outro, papéis que pedem verdade, humanidade, vulnerabilidade. Como transmitir dor, espanto, medo ou paixão se a pele não reage? É como tentar contar uma história com metade das palavras censuradas.

O rosto congelado, por mais polido que pareça na foto de tapete vermelho, pode se tornar uma prisão diante da câmera.

Amanda Seyfried sentiu isso na pele. Para viver Ann Lee, líder religiosa no filme O Testamento de Ann Lee, a atriz abriu mão do botox por um ano inteiro. Não foi uma decisão estética, mas artística.

A diretora Mona Fastvold exigia uma entrega sem filtros, sem maquiagem pesada, sem truques. A atriz, que confessou gostar do efeito do botox na testa franzida, percebeu que o sacrifício era inevitável: sem rugas, Ann Lee não existiria.

A rigidez, o fervor, o sofrimento da personagem pediam marcas reais, não o polimento artificial de um consultório dermatológico.

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Esse gesto, aparentemente simples, revela a tensão que atravessa muitas carreiras femininas em Hollywood. O que vale mais: a aparência impecável ou a liberdade de expressar-se por completo em um papel?A resposta pode parecer óbvia para os críticos que exaltam atuações viscerais, mas na prática o dilema é cruel.

Uma atriz que surge “ao natural” arrisca ser celebrada como corajosa por uns e atacada como 'descuidada' por outros.

O caso de Seyfried acende uma discussão maior sobre como a obsessão pela juventude se tornou um obstáculo silencioso para a própria indústria. Ao padronizar rostos, Hollywood acaba achatando narrativas e o cinema precisa de rugas, olheiras, sinais de tempo, elementos que contam uma história por si só.

E quando uma atriz ousa abrir mão do botox, ela não está apenas resgatando sua expressividade, ela está lembrando que a verdade de um personagem não se constrói em clínicas estéticas, mas na coragem de expor a própria imperfeição.

Talvez o grande paradoxo de Hollywood seja este: a mesma indústria que exige rostos eternamente lisos é a que depende da vulnerabilidade para comover plateias. A mesma indústria que não gosta de procedimentos estéticos é a mesma que não aceita o envelhecimento de mulheres. Essa conta não fecha.

Entre a agulha e a câmera, a escolha não é apenas estética. Amanda Seyfried mostrou isso ao abdicar do botox: às vezes, a maior transformação de uma atriz não acontece no bisturi, mas na decisão de deixar que o rosto volte a falar por si.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora