Magreza sob prescrição: a moda no tempo das canetinhas de emagrecimento

Cinturas que desafiam a anatomia, ossos protuberantes e bochechas cavadas: esse é o novo padrão de beleza. A moda se apaixonou pelo corpo pós-Ozempic e reciclou o padrão que fingiu enterrar

Escrito por
Elaine Quinderé verso@svm.com.br
Legenda: Quantas publis e campanhas vimos nos últimos meses onde a comida virou um super acessório? Na imagem, campanha da Rhode com Hailey Bieber
Foto: Divulgação

Esses dias fui em uma farmácia comprar alguns remédios e vi uma placa dizendo que medicamentos como Ozempic, Mounjaro, Wegovy, etc, só seriam vendidos com prescrição médica. Fiquei ruminando como as canetinhas emagrecedoras mudaram completamente o mercado — todos eles, mas especialmente o mercado da moda. 

A primeira vez que ouvi falar do Ozempic, a mais famosa dessas canetinhas, foi em 2021, quando ela nem era vendida no Brasil ainda. Dizer que ela virou um item popular não começa nem a descrever o que ela realmente se tornou, não é mesmo? 

Então, fico aqui, observando como a moda gosta de brincar de Deus. Sai o corpo violão para dar espaço ao famoso heroin chic e findamos na era das Kardashians. Daí, aqui estamos, em 2025, e — surpresa! — o novo padrão de beleza é patrocinado por uma seringa. 

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Com o boom do Ozempic e seus primos, o mundo da moda voltou ao bom e velho culto à magreza radical. A diferença? Agora ela vem com bula. 

De repente, os tapetes vermelhos ficaram mais "minimalistas": menos quadril, menos bumbum, menos comida. As roupas oversized perderam espaço para os microtops, minissaias e transparências ousadas que pedem, quase exigem, uma barriga negativa e braços dignos de uma aula de pilates diária (ou de um bom antidiabético off-label). 

Mas essa não é uma crítica ao uso de medicamentos — é à estética que eles ajudam a criar. A indústria da moda, que adora um visual etéreo e alienígena, abraçou o “Ozempic body” com um entusiasmo quase religioso. De Paris a São Paulo, modelos andróginos e celebridades subitamente esculpidas voltaram às capas de revista como se tivessem saído direto de um desfile de 1999. Nostalgia? Talvez. Padrão inalcançável reciclado? Com toda a certeza. 

Nas redes sociais, o fenômeno tem até nome: Ozempic face. Maçãs do rosto saltadas, queixo afilado, olheiras dignas de um thriller psicológico. E como resposta, a moda joga gasolina na fogueira: editoriais exaltam esse visual, com modelos exaustas em poses que mais parecem um colapso glamouroso. O doente virou tendência — de novo.

É óbvio que a moda, elitista como é, iria financiar um corpo difícil e caro de se manter. Porém, se as canetinhas emagrecedoras estão tão populares, como que a moda vai diferenciar quem é “gente magra e francesa” de quem não é? 

Comida passa a ser artigo de luxo, não só pelo valor que pagamos, mas porque quem 'está na moda' vai poder vestí-la
Legenda: Comida passa a ser artigo de luxo, não só pelo valor que pagamos, mas porque quem 'está na moda' vai poder vestí-la
Foto: Reprodução / @maluborges

Esse é o momento que a comida passa a ser artigo de luxo, não só pelo valor que pagamos, mas porque quem “está na moda” vai poder vestí-la. 

Quantas publis e campanhas vimos nos últimos meses onde a comida virou um super acessório? 

Banalizado e desperdiçado, quem realmente pode se alimentar bem o faz em nome da moda, porque alimento mesmo é aquele que o Mounjaro pode te dar. 

*Este texto reflete, necessariamente, a opinião da autora

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