Fashion Revolution expõe a falta de transparência climática na moda
Novo índice expõe o abismo entre o marketing ecológico e a realidade das cadeias produtivas, onde transparência e responsabilidade ainda são raridades.
Sustentabilidade, palavra de ordem na atualidade, mas que o setor de moda brasileiro ainda parece resistir e prefere continuar preso ao passado.
O Fashion Revolution Brasil, movimento global que defende uma indústria mais ética e consciente, lançou o Índice de Transparência da Moda – Edição Clima, e o resultado, como já era de se esperar, não é lá muito animador. 53% das 60 principais marcas analisadas pontuaram abaixo de 20% em transparência sobre seus impactos e compromissos climáticos.
O estudo, inédito no Brasil, avaliou cinco dimensões críticas: rastreabilidade da cadeia produtiva, emissões de carbono, metas de descarbonização e desmatamento zero, uso de energia renovável e transição justa, um conceito que relaciona sustentabilidade ambiental à proteção de trabalhadores.
Qual a conclusão? A moda fala muito sobre sustentabilidade, mas mostra pouco.
Entre avanços tímidos e omissões gritantes, houve progresso em áreas como a divulgação de emissões e metas de descarbonização, mas os números seguem alarmantes. Apenas 12% das marcas conseguiram reduzir efetivamente suas emissões, enquanto que 27% divulgaram metas validadas pela Science Based Targets Initiative (SBTi, um padrão internacional de credibilidade científica).
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Mais de 60% das empresas não reportam inventários completos de emissões, especialmente as que representam 96% da pegada de carbono da moda e incluem toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de matéria-prima até o transporte. Apenas 22 marcas divulgaram esses dados, que somam impressionantes 59,3 milhões de toneladas de CO₂ - mais do que as emissões anuais de Portugal.
E quando o assunto é desmatamento zero, apenas 80% das marcas não têm compromissos públicos para eliminar o desmatamento de suas cadeias, mesmo sabendo que matérias-primas como couro, algodão e viscose têm ligação direta com a destruição da Amazônia e do Cerrado.
Trabalhadores e justiça climática
O tema com pior desempenho foi a transição justa: mais de 65% das empresas não apresentaram nenhuma medida para proteger trabalhadores afetados por eventos climáticos, e nenhuma investe em adaptação climática para fornecedores.
Os poucos exemplos encontrados se limitam a ações pontuais, como doações após enchentes (o que não passam de paliativos que não enfrentam a raiz do problema).
O relatório ressalta um paradoxo: muitas marcas terceirizam a produção, transferindo riscos e custos para quem menos pode pagar a conta. Sem políticas concretas de mitigação e sem garantir salários dignos, o discurso sustentável perde força e legitimidade.
O ranking mostra um abismo entre líderes e retardatárias. Renner e Youcom lideram com 76% de transparência, seguidas por Adidas, Ipanema e Melissa, com 65%. Também se destacam C&A, Riachuelo, Malwee, Arezzo e Reserva, com notas acima de 50%.
Na outra ponta, 27 marcas ficaram com pontuação zero, dentre elas Amaro, Carmen Steffens, Colcci, Osklen e Shoulder. Para o Fashion Revolution, o zero não é apenas um número: é um retrato da falta de compromisso com o planeta e com as pessoas.
Transparência não é luxo, é urgência.
O relatório é lançado num momento simbólico: o Brasil se prepara para sediar a COP30, e o mundo observa de perto como o país mais biodiverso do planeta lida com sua própria indústria da moda. O estudo deixa claro que transparência é apenas o primeiro passo, mas um passo indispensável.
Como resume Isabella Luglio, coordenadora de pesquisa do Fashion Revolution Brasil: “é impossível ignorar a relação entre a moda e a crise climática. O setor precisa agir com urgência”.
A moda pode, sim, ser uma força de mudança, mas, por enquanto, ainda parece mais interessada em estampar sustentabilidade nas etiquetas do que em praticá-la nas fábricas.
* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora