Reforma Tributária: foi aprovada a carroceria do automóvel

Para o cearense Cristiano Maia, que comanda o Grupo Samaria, a proposta do novo modelo tributário entrou na linha de montagem do Parlamento onde receberá, por leis complementares, tudo o que falta -- da cesta básica ao Fundo Regional

Legenda: Um automóvel na linha de montagem, recebendo todos os equipamentos, do motor ao console com o dispositivo multimídia com botões que ligam e desligam luz e som
Foto: Divulgação / Renault
Multiempresário com atuação na indústria de rações para animais, na carcinicultiura, na agropecuária e na construção e manutenção de estradas rodoviárias, tudo incluído no seu Grupo Samaria, Cristiano Maia tenta acalmar a euforia exagerada de alguns colegas diante da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece a Reforma Tributária, um sonho que (ainda) dura há 30 anos. Com os pés no chão da tradicional política brasileira, ele adverte: 
 
“O que foi aprovado não é mais do que a carroceria do automóvel, que está agora na linha de montagem para receber o motor, a caixa de direção elétrica, a caixa de troca automática de marchas, a suspensão, o sistema de freios, os bancos e o console com seu painel multimídia e todos os botões que acionam o sistema de iluminação e de som” – explica Cristiano Maia.
 
Ele tem razão. O que falta para que a Reforma Tributária seja mesmo o que promete são as leis complementares que tratarão de quase tudo, da cesta básica ao Fundo Regional, e isto ficou para o próximo período legislativo, que começará no dia primeiro de fevereiro de 2024. 
 
“Mas temos de aplaudir o primeiro passo, que, devo dizer, foi dado na direção certa”, complementa o empresário, na opinião de quem “ainda falta o longo Caminho de Compostela a ser percorrido”, afirma ele. 
 
Cristiano Maia refere-se às dificuldades de construção do Pacto Federativo, que, na essência, é do que trata a Reforma Tributária. Ainda não foi apaziguada a divergência que separa hoje os interesses dos estados do Sul e Sudeste dos do Norte e Nordeste. Os sulistas e sudestinos não gostam da ideia de a União oferecer incentivos fiscais à indústria automobilística do Nordeste. 
 
Surge a óbvia pergunta: de que jeito foram implantadas e desenvolvidas as montadoras de veículos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Paraná e Goiás? Sem incentivos? Claro que com incentivos. Este é só um tema dos muitos que a linha de montagem da Reforma Tributária no Parlamento terá de tratar para viabilizar e tornar de fato moderna e realmente federativa essa PEC, que se transformará em Lei quando o presidente Lula a sancionar, algo previsto para o decorrer desta semana. 
 
Cristiano Maia sonha com o dia em que as empresas do Grupo Samaria “e todas as empresas brasileiras” fecharão, por falta de necessidade, seu núcleo de planejamento tributário que obrigatoriamente existe somente para tratar de como cumprir as 54 leis e centenas de decretos, regulamentos, normas, resoluções e instruções federais, estaduais e municipais “que infernizam a nossa vida todos os meses”. 
 
Já foi dito, mas deve ser repetido: o Brasil não é para amadores, e isto vale mais ainda para quem empreende em qualquer área da atividade econômica. Abrir uma empresa neste país é um drama; fechá-la é um drama maior ainda. A carga tributária brasileira é de Primeiro Mundo, porém os serviços de saúde, educação, segurança pública, saneamento e infraestrutura de transporte que o contribuinte recebe em troca é de quinta categoria. 
 
O sistema tributário é muito ruim; todavia pior do que ele é sua gestão, não por culpa dos ministérios da Fazenda ou do Planejamento, que tentam fazer o melhor para administrar o uso do tributo arrecadado. O déficit do orçamento – que impede o país de investir no que é prioritário – tem um culpado: o próprio governo e seus três poderes, que nos últimos 20 anos multiplicaram seus gastos, boa parte dos quais para ampliar seu quadro de pessoal e seus cargos comissionados e funções gratificadas e para melhorar seus já elevados vencimentos. 
 
Diante desse cenário, esta coluna ousa indagar: os que lideram os três poderes do governo brasileiro suportariam, por exemplo, trabalhar no governo da Suécia, da Dinamarca ou da Noruega, onde ministros, juízes, senadores e deputados não têm as mordomias de que gozam os do Brasil? Outra pergunta: por que não promover um plebiscito para saber da sociedade se ela está disposta a continuar pagando o alto preço de manutenção do caríssimo e paquidérmico estado brasileiro?  

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