Porto do Mucuripe: Licitação levanta dúvidas na área empresarial

Uma fonte ligada ao comércio exterior diz que a concorrência feriu regramento e beneficiou a empresa vencedora que terá exclusividade para embarcar melões para a Europa

Legenda: Vista do Porto do Mucuripe, pelo qual é embarcada parte do melão cearense e potiguar exportado para a Europa
Foto: Thiago Gadelha / Diário do Nordeste

Há um clima de apreensão e suspense no mercado da navegação marítima e da operação portuária cearense como consequência da confirmação do arrendamento de uma área de armazenagem de até 280 mil m² do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, outorgada – por meio de licitação – pela Companhia Docas Do Ceará (CDC) à multinacional francesa CMA-CGM, uma das gigantes dos mares do mundo.

A CDC, em comunicado a esta coluna, afirma que “a cessão de área do Porto de Fortaleza para o arrendatário CMA Terminals foi de área correspondente a 88.499,75 m²”, adiantando que a licitação “foi um processo seletivo transparente e teve seu início após a publicação do edital nos meios de comunicação, Diário Oficial da União e site da CDC”.

Não é o que pensa, porém, uma fonte empresarial diretamente ligada ao comércio exterior, ouvida pela coluna, na opinião de quem “a publicidade do processo licitatório, que transitou quase em regime de sigilo no site da CDC, fugiu do regramento no caráter de transparência, ferindo as diretrizes da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e do Tribunal de Contas da União (TCU)” . 

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A mesma fonte diz que “essa outorga nebulosa é agravada pelo fato de que a outorgada tem, há mais de 10 anos, um contencioso milionário junto à CDC”. 

Ainda segundo a fonte, a licitação que concluiu pela outorga da área do Porto do Mucuripe à CMA-CGM “é inédita por vários motivos, o primeiro dos quais é a rapidez com que foi desenvolvida, conduzida e concluída, sem precedente na história do setor portuário brasileiro”. 

A licitação foi autoprovocada, ou seja, a iniciativa para a realização da concorrência partiu do interessado, a empresa francesa, adianta a fonte empresarial. 

“Ademais, o modelo autoprovocado não se aplicaria a esse tipo de beneficiário (o arrendatário) pois este jamais deteve qualquer outorga anterior no Porto do Mucuripe, ou qualquer outro, que lhe propiciasse o direito de transitoriedade sob qualquer pretexto”, acentuou o informante. 

Ainda de acordo com a mesma fonte, o que a CMA-CGM deseja é controlar um mercado do qual participa ativamente há mais de uma dezenas de anos.  

“E como Pecém parou de ter outras linhas para os portos do melão, eles, os franceses da CMA-CGM, querem impor-se no Mucuripe como única opção para o exportador da fruta.  Querem repetir agora o que fizeram durante a pandemia, quase triplicando os fretes - sob o pretexto de falta de containers o que sempre foi uma grande mentira”, completou a fonte.

POSIÇÃO DA COMPANHIA DOCAS

Provocada pela coluna a respeito da informação, a Companhia Docas do Ceará transmitiu o seguinte esclarecimento:

“A Companhia Docas do Ceará esclarece que a cessão de área do Porto de Fortaleza para o arrendatário CMA Terminals foi de área correspondente a 88.499,75 m².

“Foi um processo seletivo transparente e teve seu início após a publicação do edital nos meios de comunicação, Diário Oficial da União e site da CDC.
 
“Foi aprovado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), fundamentado nos termos dos Art. 46 e 46 da Resolução Normativa Nº 7 da ANTAQ – e arts. 3º e 17º da Lei 12.815”.

MAIS ESCLARECIMENTOS 

Na última terça-feira, 17, esta coluna divulgou matéria informando que a CMA-CGM se tornou um aliado importante do Porto do Mucuripe, pois está investindo na aquisição de modernos guindastes para as suas operações de movimentação de frutas do Ceará e do Rio Grande do Norte destinadas à exportação para a Europa.
 
A Companhia Docas do Ceará, no mesmo dia, transmitiu à coluna a seguinte nota sobre o assunto:

“A Companhia Docas do Ceará (CDC), administradora do Porto de Fortaleza, acaba de firmar um contrato de arrendamento transitório com a empresa Progeco do Brasil Operadora de Contêineres. 

“O processo seletivo simplificado e transparente teve seu início após a publicação do edital nos meios de comunicação, Diário Oficial da União e sítio eletrônico da CDC, fundamentado nos termos dos Art. 46 e 46 da Resolução Normativa Nº 7 – ANTAQ e arts. 3º e 17º da Lei 12.815/2013. 

“A Progeco é uma subsidiária da empresa francesa CMA Terminals, grande multinacional do setor de operação portuária e, de acordo com o contrato inicial de seis meses, vai explorar e manter o seu próprio terminal de contêineres e carga geral em um conjunto de três áreas operacionais na poligonal do Porto de Fortaleza que representam uma área total de 88.499,75 metros quadrados.

“Trata-se de uma ação contemplada no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Fortaleza, que prevê esse tipo de ação com arrendatários para fortalecer a presença e a atuação do Porto em caráter regional, frente à sua concorrência.
 
“Além da necessidade de aproveitamento de áreas, há também a preocupação de especializar as operações do Porto de Fortaleza, tornando mais eficientes suas operações portuárias, utilizando modernos equipamentos e investimentos adequados.
 
“Esse projeto deverá promover o fomento comercial e o aumento de receitas para incremento na movimentação de cargas e fortalecimento econômico e social da região e entorno. 

“O Porto de Fortaleza tem vocação antiga e potencial cada vez maior nas operações de contêineres. Um bom exemplo disso é a exportação de frutas em contêineres refrigerados (do tipo Reefer), em especial o melão, que é exportado por linha de longo curso estabelecida, com rotas para os portos de Vigo (Espanha), Dover (Inglaterra) e Rotterdam (Holanda).
 
“A posição geográfica estratégica do Porto de Fortaleza em relação à Europa e aos Estados Unidos certamente será uma grande vantagem à empresa vencedora do chamamento público. A crescente movimentação de exportação deve-se à infraestrutura do Porto, considerando seu pátio de contêiner alfandegado, seus berços que se constituem como apropriados às operações e à estrutura viária próxima: BR 116, BR 222, BR 020 e rodovias estaduais que servem como rota de caminhões que fazem o transporte de cargas pesadas.

“Outro ponto positivo é a proximidade do Porto de Fortaleza com divisas de estados vizinhos como o Piauí, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco. Um destaque de bons negócios com vizinhos é a cidade de Mossoró/RN, distante 241 km de Fortaleza. 

"A região, que inclui o município de Icapuí/CE, é responsável pela maior produção de melão do Brasil e do mundo. Isso representa grande parte da venda externa da fruta, que está sempre na linha de frente das exportações do setor.

“A diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves comemora também o aumento expressivo – no período de quatro anos – das áreas exploradas por arrendatários. 

“Em 2018, quando eu assumi a gestão da CDC, as áreas arrendadas eram apenas 8,8% da poligonal do Porto de Fortaleza. Ao final de 2022, conseguimos mais do que triplicar o uso de áreas arrendadas, chegando a 29,4%. O arrendamento, dentre outras vantagens, deverá proporcionar um maior faturamento e, como consequência, solidificar a excelente situação financeira da CDC, ora recuperada”, conclui ela.