No pacote anti-tarifaço, misturam-se a melhor e a pior intenção

Para o desconfiado mercado, o crédito subsidiado e condicionado à manutenção do emprego causará inadimplência. E o que é temporário pode tornar-se perene.

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 07:28)
Legenda: Pacote de socorro às empresas exportadoras para os EUA inclui crédito subsidiado. Mercado desconfia de que isto causará inadimplência
Foto: Shutterstock
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Quem diria que os negócios da agricultura, da indústria e da agroindústria do Ceará seriam, um dia, dependentes de decisões estrangeiras como esta do tarifaço de 50% imposto pelo governo dos Estados Unidos aos produtos exportados daqui para o mercado norte-americano.  

É assim, exatamente, que se encontram hoje – dependentes do estrangeiro – os produtores e exportadores cearenses, a maioria de pequeno porte, de mel de abelha, água de coco, pescados, cera de carnaúba e manga e, ainda, os grandes fabricantes de calçados, como a Grendene. Eles respondem por boa parte da performance da balança comercial do estado. Se incluirmos as placas de aço da ArcelorMittal, também taxadas, aí falaremos de grande parte da exportação do Ceará. Eles exportavam para os EUA. Agora, estão quase proibidos de fazê-lo, porque a tarifa cobrada é excessiva. 

Do ponto de vista de hoje, não há no horizonte próximo, nem no de médio prazo, solução para a questão, que, temos de repetir, tem raiz política -- a reação do presidente Donald Trump ao processo do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, de quem é amigo. Trata-se, não há dúvida, de uma clara interferência do governo dos Estados Unidos em assuntos internos de um país livre e soberano. Mas estes são outros quinhentos. O que interessa, aqui e agora, é a dificuldade que neste instante enfrentam, por causa disso, os que produzem e trabalham no Ceará e no Brasil todo. 

Para tratar desta emergência -- e a grande esperança é de que, como toda emergência, ela dure pouco tempo – juntou-se o governo da União ao dos estados, e dessa junção nasceu um pacote de medidas fiscais e tributárias que socorrerão, momentaneamente, as empresas castigadas pelo tarifaço. Uma delas é a concessão de crédito subsidiado, sob uma condição severa: a manutenção dos empregos. Mas como garanti-la, se a tarifa de 50% vier a ser mantida por longo tempo?  

No mercado, há dúvidas e medos que crescem à medida em que se torna mais grave o quadro fiscal. Por exemplo: as compras públicas -- que no caso do Ceará serão medidas acertadas, mas paliativas pela impossibilidade de o governo adquirir toda a produção do pescado que era exportado – preocupam porque podem ser usadas com interesse político, e pela tradição da política brasileira isto tem 100% de chance de acontecer. 

Tem mais: neste momento, a taxa básica de juros Selic está no patamar de 15% ao ano, o que significa juro real de 9%. Com juro tão alto, as empresas exportadoras sentir-se-ão motivadas a contratar o financiamento oferecido em troca da manutenção dos empregos? O mercado desconfia de que o resultado desse pacote poderá ser o aumento da inadimplência.  

Pior: conhecendo a história política recente e remota deste país, desconfia-se, também, de que as medidas anunciadas pelo governo, que têm caráter temporário, possam tornar-se permanentes. O ano eleitoral de 2026 está vindo em alta velocidade, trazendo com ele outra tradição verde-amarela: o aumento dos gastos públicos. Assim, o que está ruim pode piorar. 

Esta coluna, diante do que está ao seu alcance, imagina que, no Ceará, serão poucas as pequenas empresas exportadoras que se aventurarão ao oferecido crédito subsidiado, e condicionado. Elas preferirão a oferta do governador Elmano de Freitas, que se mostra disposto, com ajuda de Brasília, a comprar parte dos pescados e do mel de abelha que era exportada para o mercado dos Estados Unidos.  

Há outro temor: a Medida Provisória contendo todo o pacote do Palácio do Planalto tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional, onde já se mobilizam os lobbies de interesse. Haverá, como soe acontecer nesses momentos, uma chuva de emendas para incluir mais setores da produção entre os beneficiados pela MP, o que alarga ainda mais a chance de inadimplência futura, mas isto é da tradição nacional, cuja causa tem sido, nos últimos 50 anos, a promíscua e deletéria relação do governo com os parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado.  

Conclusão: não é fácil produzir e trabalhar no Brasil. Mas não é fácil, também, socorrer quem está a precisar de socorro, pois, em casos como este, estão misturadas a melhor e a pior das intenções. 

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