Desde março de 1987, o governo do Estado do Ceará mantém equilibradas as suas contas, gastando apenas o que arrecada – começou com Tasso Jereissati e prosseguiu assim nas administrações de Ciro Gomes, Lúcio Alcântara, Cid Gomes e Camilo Santana.
Por causa dessa austeridade, o servidor público estadual cearense, da ativa ou aposentado, recebe em dia os seus vencimentos e proventos.
Ao longo desses 36 anos, os fornecedores de produtos e serviços também não reclamaram – suas faturas foram pagas não rigorosamente em dia, mas com um atraso de até 45 dias, algo que, no serviço público, é corriqueiro.
Ontem, todavia, um fornecedor de serviços levantou o véu da desconfiança.
Veja também
“Algo de errado está se passando no governo, porque estou sem receber há dois meses, mas sei que há gente com atraso de três meses”, disse ele à coluna, lamentando o que vem acontecendo.
Fontes empresariais, ouvidas por esta coluna, não esconderam sua preocupação com o que se passa hoje com as contas do governo estadual, que tenta obter um empréstimo de R$ 2,5 bilhões para pagar dívidas passadas e não honradas e para fazer investimentos.
Uma fonte governamental da área econômica do governo confirmou que as finanças estaduais “passam agora pelas mesmas dificuldades por que passaram no início do mandato das gestões anteriores”.
As fontes consultadas concordaram num ponto: durante o ano passado, período de eleição, os gastos do governo cearense extrapolaram, “mas sempre foi assim, pois tudo tem o objetivo de eleger o sucessor de quem está no poder”.
Explica, mas não justifica, apesar do ditado que diz: “Feio é perder a eleição!” Que o diga o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na administração dos dinheiros públicos, o mais difícil é colocar tudo em ordem, ou seja, ter despesas e receitas iguais. Pois era assim – com gastos e arrecadação semelhantes – que vinha, até o ano passado, o governo do Ceará. Mas, pelo que agora se vê, lê e ouve a respeito do tema, a conta pública não está mais fechando. Há um lado da contabilidade pesando mais do que o outro. O que fazer?
Ensina a cartilha do bom gestor – público ou privado – que, nessas ocasiões, deve ser feito exatamente o que faz uma boa dona de casa: enquanto dura a crise, ela substitui o filé mignon pelo frango; troca o salmão pela tilápia ou pela sardinha; em vez de três refeições diárias, apenas duas; no lugar do queijo, a manteiga mais barata; e substitui o vinho ou a cerveja pelo copo d’água.
Resumindo: o bom administrador elimina gastos e hierarquiza o que não pode ser cortado. Mas, para isso, é preciso disposição para enfrentar o choro das crianças, o protesto do marido e as piadas dos amigos que reduzem as visitas pela ausência da mesa farta.
O final desse filme é feliz, e os cearenses o conhecemos no nível estadual e municipal (vide os casos de Sobral, Eusébio, Maracanaú e Aracati).
O governo existe para servir o povo. No Brasil, salvo as raríssimas exceções, acontece o contrário desde que aqui chegou a comitiva portuguesa de Pedro Álvares Cabral.
Hoje, da receita de todos os tributos recolhidos ao Tesouro Nacional sobram menos de 5% para investimento em obras públicas de infraestrutura, saúde, educação e segurança pública. As despesas com o funcionalismo público e com as aposentadorias e pensões do INSS consomem 75% das receitas. É por estas e por outras razões – e põe outras razões nisso – que as contas do governo brasileiro estão deficitárias desde 2014.
No caso do Ceará, elas estão deficitárias desde 1º de janeiro deste ano. Não é um déficit tão grande, mas suficiente para deixar preocupados os que trabalham e produzem no estado, preocupação que não existia até o ano passado.
O equilíbrio de suas contas dava ao governo do Ceará uma vantagem comparativa importante quando um investidor decidia em que geografia localizar seu investimento. Exemplo: a CSP, hoje AcelorMittal, veio para cá porque, primeiro, acreditou no compromisso assumido pelo governo do estado; segundo, porque esse compromissou se lastreou também no equilíbrio das contas estaduais.
Não podem o Ceará e seu governo perder essa vantagem, que será fundamental para a atração dos investimentos ligados ao projeto de implantação do Hub do Hidrogênio Verde no Pecém e aos de geração de energias renováveis – solar fotovoltaica e eólica onshore e offshore.
O Ceará tem a chance de tornar-se um player mundial na produção do Hidrogênio Verde, mas para isso terá de dispor de um governo competente nas relações políticas e comerciais e, mais ainda, na gestão do seu orçamento.