Na festa da indústria, as previsões para o futuro da economia do Ceará
Mário Araripe disse que o Ceará terá energia suficiente para atrair as gigantes da tecnologia mundial e seus Data Centers. A Fiec marcou posição contra a reoneração da folha de pessoal das empresas e pediu reformas já
Foi mesmo um evento com pompa e circunstância, digno da grandiosidade musical de Edward Elgar (é uma dica para os que desejarem saber do que se trata). A festa pelo Dia da Indústria, ontem celebrada pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) no La Maison Coliseum sob atentos olhares e ouvidos de mais de 1.100 empresários industriais e agropecuaristas convidados, alguns procedentes de outros estados, foi um fato social, um ato político e uma aposta no futuro próximo da economia cearense. Reparem:
Mário Araripe, fundador e controlador da Casa dos Ventos, a maior empresa desenvolvedora de projetos na área das energias renováveis do país, fez uma previsão. Ele disse que, nos próximos 20 anos, as duas forças que impactarão o mundo serão a Inteligência Artificial e a descarbonização do planeta, que alijará os combustíveis fósseis e elegerá o hidrogênio verde produzido com o uso das energias solar e eólica, abundantes no Ceará, que, por isto mesmo, deverá atrair as maiores empresas mundiais de tecnologia e seus Data Centers, altamente consumidores de energia.
“Eu já sabia que Deus era brasileiro, mas agora eu tenho a certeza de que Ele é cearense, tantas são as riquezas com as quais a natureza prodigalizou o Ceará”, sentenciou Araripe.
O ato político veio pela palavra do presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, cujo discurso deixou claro que o setor industrial brasileiro – o do Ceará no meio – discorda da proposta que reonera a folha de pessoal das empresas de 17 setores da atividade econômica. Ele disse:
“Nós entendemos como fundamental para o desenvolvimento, a busca pelo equilíbrio das contas públicas. Mas ela não pode ter como fim apenas o aumento da receita e da tributação. O projeto prevê a reoneração total ou parcial da folha de pagamentos de dezessete setores da economia. Isso representa potencial aumento do custo de mão de obra, prejudica a flexibilidade em dimensionar os quadros de trabalhadores das empresas e gera uma insegurança jurídica inaceitável em um cenário apregoado pelo próprio governo.”
Mas, antes de a solenidade começar no principal e gigantesco salão do La Maison, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas formaram um buliçoso batalhão com o objetivo de capturar as melhores imagens das personalidades – homens e mulheres vaidosa e elegantemente vestidos – que chegavam para a festa.
Quando surgia um homenageado – e neste ano foram sete os agraciados com a Medalha do Mérito Industrial, outorgada pela Fiec, e com a Ordem do Mérito Industrial, conferida pela CNI – crescia o bulício dos profissionais da imagem. As câmeras eram tantas, que os fotógrafos apelavam à compreensão do homenageado: “Agora, vire para este lado, por favor!”
Ricardo Cavalcante recebia os convidados, repetindo praticamente a mesma saudação: “Obrigado por sua presença”, dizia eles aos convidados, alguns dos quais ganhavam palavras mimosas que massageavam o seu ego. Práticas da boa educação.
A chegada do governador Elmano de Freitas só aconteceu depois que os sete homenageados da noite já se encontravam em seus lugares, ocupando grandes mesas redondas estrategicamente colocadas na proximidade do imenso palco azul onde a solenidade se realizaria.
Nesse momento – como de costume – cercaram o Chefe do Executivo repórteres de microfone em punho e fotógrafos e cinegrafistas com suas máquinas de trabalho. Muito atencioso, Elmano deu respostas a todas as perguntas.
Antes dele, cada um dos sete homenageados passou pela tortura dos flashes e das perguntas dos jornalistas.
O governador Elmano de Freitas, ladeado pelo presidente da Fiec, dirigiu-se ao grande salão e, enquanto caminhava, distribuiu apertos de mão e sorrisos aos que o saudavam, e estes eram muitos, inclusive os empresários da agropecuária, que compareceram em peso para prestigiar um dos seus ícones – o agroindustrial e agropecuarista Cristiano Maia.
O La Maison Dunas é o mais requisitado local de eventos sociais da cidade. É nele que se realizam as festas dos grandes casamentos, alguns congressos e simpósios corporativos e a celebração do Dia da Indústria que a Fiec promove sempre no mês de maio. O local tem essa preferência porque, entre outras vantagens, oferece uma ampla área para o estacionamento de veículos, que ontem extravasou.
Marcada para as 19 horas, a cerimônia de entrega das Medalhas do Mérito Industrial só foi iniciada duas horas depois. Para amenizar a espera, drinques e tira-gostos foram servidos aos convidados.
A solenidade começou com a exibição de vídeo institucional da Fiec, que mostrou o que fez e o que está a fazer. Depois, outro vídeo com uma mensagem do ministro da Educação, Camilo Santana, que se encontrava em viagem de Pernambuco para a Bahia. Em seguida, foi lida uma mensagem do ex-presidente da Fiec, Beto Studart, também impedido de comparecer por estar no exterior.
Na sequência, um vídeo mostrou o perfil de cada um dos sete homenageados, mas o que poderia ter sido uma chatice foi, na verdade, um banho de boas informações sobre os empresários Cristiano Maia, Aline Telles, Roberto Pessoa, Mário Araripe, Lourival Tavares, Deusmar Queirós, que receberam a Medalha do Mérito Industrial conferida pela Fiec, e Ricardo Steinbruch, outorgado com a Medalha da Ordem do Mérito Industrial da CNI. O vídeo terminou sob fortes aplausos dos presentes.
Depois da execução do Hino Nacional brasileiro, ouviu-se o aguardado discurso do presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, que iniciou suas palavras pedindo que todos ficassem de pé e fizessem um minuto de silêncio em sinal de solidariedade à população do Rio Grande do Sul, vítima da calamidade que se abate sobre toda a geografia e sobre toda a economia do estado gaúcho. Em seguida, ele falou sobre a força do setor industrial, afirmando em alto e bom som:
“Somos o setor produtivo com maior capilaridade no tecido socioeconômico. O resultado do nosso esforço criativo e da nossa capacidade de trabalho se faz presente em todos os espaços onde há interação humana. Desde os primeiros passos que damos, todas as nossas experiências de vida têm a marca da indústria. Estamos na alimentação, na educação, na saúde, no lazer, no vestir, no ir e vir cotidiano das pessoas. Em nossas unidades fabris, geramos centenas de milhares de empregos de qualidade, contribuindo para a redução das desigualdades sociais e econômicas.”
Ricardo Cavalcante prosseguiu:
“Dados da CNI demonstram que o nosso setor é responsável direto por 21,2% de todos os empregos formais gerados no país; participa com 25,5% do PIB nacional; contribui com 34,8% da arrecadação de tributos federais; e responde por 66,6% das exportações de bens e serviços do Brasil. Saem da indústria 66,8% de todo o investimento empresarial brasileiro em pesquisa e desenvolvimento.”
Depois, acentuou, dirigindo-se à maior autoridade presente ao evento:
“Governador Elmano de Freitas, no Ceará não é diferente. Números do Observatório da Indústria da Fiec nos mostram que o setor industrial cearense responde por 20,5% do PIB estadual. A nossa indústria participa com 23% de toda a arrecadação de ICMS, e com 84% das exportações do estado. Segundo dados de março do Ministério do Trabalho, 350.069 trabalhadores atuam nas 14.300 micro, pequenas, médias e grandes indústrias cearenses, produzindo riqueza e melhorando a qualidade de vida das famílias cearenses. Desde o último trimestre do ano passado, com a redução da taxa de juros, experimentamos contínua recuperação, que aponta para uma possível consolidação da retomada do crescimento industrial no estado.
“Dados do Banco Central mostram que o ritmo de crescimento da atividade econômica cearense é de 5,4%, só nos primeiros meses deste ano. O saldo de empregos formais nesse primeiro trimestre corresponde a 30,2% de todos os empregos gerados no Nordeste, com um diferencial: temos o maior salário médio de admissão de toda a região. Vale ressaltar ainda, que a produção industrial cearense, segundo o IBGE, apresentou no primeiro trimestre deste ano um crescimento de 6,0%, mais do que o triplo da expansão do país, que foi de 1,9%.
“Claro que 2024 ainda não será o melhor dos anos. Temos consciência disso. Mas podemos fazer dele um momento de construção das condições necessárias para uma retomada bem mais vigorosa amanhã. Favorece esse sentimento, o redesenho das cadeias produtivas globais, fruto das transformações em curso, onde os conflitos militares, a transição energética, as mudanças climáticas e o advento de tecnologias como a inteligência artificial, dão o tom da nova economia que nasce.
“No contexto nacional, o programa Nova Indústria Brasil, desenvolvido com o apoio da CNI, aponta para um horizonte breve, onde possamos contar com uma indústria mais produtiva, inovadora, sustentável e com presença global. A viabilização dessa política, ao mesmo tempo que traz maior competitividade para as nossas empresas, gera novas oportunidades para o setor industrial como um todo.
“Mas é importante atentarmos para o fato de que nada disso acontece por acaso, nem tampouco é fruto apenas de ações externas à nossa seara de atuação. Pelo contrário, é resultado do árduo trabalho desenvolvido por uma classe que, a cada dia, demonstra mais comprometimento com a geração e distribuição de riqueza, que é a classe industrial.
“Mas não faremos isso sozinhos. Precisamos que o Estado faça a sua parte. Que entregue a infraestrutura adequada para alavancar o nosso potencial de crescimento; que facilite o acesso a crédito a preços competitivos; que fomente a ciência, a inovação e a pesquisa; e, por fim, promova melhoria no ambiente de negócios. E aqui, há quatro questões em jogo que merecem toda a nossa atenção. “
O presidente da Fiec as detalhou:
“Para garantir a competitividade da nossa indústria, precisamos evitar a concorrência internacional desleal. É inaceitável que as importações até 50 dólares continuem isentas de tributação federal, o que representa um crime, principalmente contra as pequenas e médias indústrias.
A Reforma Administrativa é fundamental para a eficiência dos serviços públicos, deve ser um dos pilares da busca pelo equilíbrio fiscal, mas hoje está concentrada quase que exclusivamente na elevação da carga tributária.
“A Reforma Tributária já teve o primeiro passo dado com a aprovação da unificação de impostos e criação do IVA. Mas este imposto precisa ter uma alíquota compatível com as economias mais desenvolvidas. A indústria está trabalhando para que os desdobramentos da reforma possam contribuir para a melhoria da competitividade e não o contrário.
“E, por fim, o Projeto de Lei enviado pelo governo federal para o Congresso Nacional, que trata da desoneração da folha, pode comprometer em muito as nossas indústrias. Nós entendemos como fundamental para o desenvolvimento, a busca pelo equilíbrio das contas públicas. Mas ela não pode ter como fim apenas o aumento da receita e da tributação.
“Nós, industriais, estamos fazendo a nossa parte. Tanto a Fiec como a CNI seguem trabalhando forte na defesa do setor industrial cearense e brasileiro. Para além dos dados que citamos antes, os fatos comprovam que a nossa indústria é um importante instrumento de promoção da cidadania. E como tal, não podemos e não vamos nos aquietar.”
No final de sua fala, o presidente da Fiec teceu palavras de elogio a cada um dos homenageados, chamando-os, carinhosamente, de “meu amigo”. A cada um deles, Ricardo Cavalcante dedicou o mesmo número de palavras elogiosas, sem repetir os adjetivos, mas tendo o cuidado de expor os fortes argumentos que levaram a alta direção da Fiec e da CNI a homenageá-los.
Houve, então, a entrega das medalhas aos homenageados, que usaram a palavra por três minutos cada um.
Aline Telles Chaves, presidente do Grupo Telles, agradeceu ao pai e fundador do conglomerado, Everardo Telles, “que acreditou em mim e me deu asas e muito amor”. Ela citou ainda o marido Emanuel Chaves, “que é o meu refúgio”, e os filhos. Com a voz embargada pela emoção, ela lembrou que há seis meses perdeu sua mãe. E finalizou, agradecendo à Fiec pela concessão da Medalha do Mérito Industrial.
Cristiano Maia foi curto na sua fala. Disse que sentia, naquele momento, um sentimento de gratidão ao presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, aos seus amigos empresários do agro que estavam presentes, aos colaboradores de suas empresas e à sua esposa Luzia, com quem celebrará, em 2025, Bodas de Ouro. “Esta é uma noite muito importante para todos nós”, disse ele.
Roberto Pessoa, político e empresário da avicultura, usou apenas 30 segundos para dizer uma frase: “Obrigado a Deus, obrigado à Fiec, obrigado aos meus amigos”. Foi aplaudidíssimo.
Deusmar Queirós fez um discurso também breve. E disse que rende todas as homenagens à sua mulher Auricélia, com que está casado há 60 anos e que sempre o ajudou ao longo de toda a sua vida pessoal e empresarial. Ele destacou a Fiec que o homenageou sendo ele um empresário do varejo, o que revela que a Federação das Indústrias não olha só para o seu universo, “mas para todos”. E concluiu, citando um trecho da Carta do apóstolo Paulo aos Filipenses: “Tudo posso naquele que me fortalece”.
Veio o breve pronunciamento de Lourival Tavares, que logo agradeceu a Deus por aquele momento. E fez uma declaração de amor à sua esposa presente ao evento. "Se eu tivesse que casar novamente, seria com você, a não ser ser que você não quisesse". Foi demoradamente aplaudido. Ele também agradeceu à Fiec pela concessão da Medalha do Mérito Industrial.
Por sua vez, Mário Araripe foi ouvido em silêncio, porque embrenhou sua fala na trilha das transformações por que passa o mundo em alta velocidade. Essas transformações colocaram o Ceará numa posição de protagonismo, e é por esta razão que sua empresa, a Casa dos Ventos, à qual se associou no ano passado a gigante francesa Total Energies, tem projetos prontos para implantar no Complexo do Pecém uma planta industrial para a produção de Hidrogênio Verde.
Disse que Deus é cearense e a prova dist são as riquezas naturais com que premiou este estado: “Temos os melhores bancos de vento do mundo e, ainda, um alto índice de insolação. Então, temos no Ceará todas as condições de gerar energias renováveis para a produção do hidrogênio verde. Essa energia atrairá para cá as gigantes mundiais da tecnologia e seus Data Centers, que são brutalmente consumidores de energia. O Ceará não pode perder esta oportunidade”, concluiu sob intensos aplausos do público.
Por fim, falou Ricardo Steinbruch, que recebeu a Medalha da Ordem Industrial que lhe concedeu a CNI. Lembrou que esteve pela primeira vez no Ceará há 55 anos, acompanhando o; pai, Mendel Steinbruch. E contou que acompanhou pessoalmente o desenvolvimento do setor industrial cearense, do qual o Grupo Vicunha foi e continua sendo um ator importante. E revelou que está preocupado com a qualidade da mão de obra brasileira, que precisa de ser permanentemente qualificada.
O último discurso da noite foi do governador Elmano de Feitas, que, tendo em vista o adiantado da hora, deixou de lado as páginas de um pronunciamento escrito e falou de improviso. “Não vou ampliar o cansaço das senhoras e dos senhores”, desculpou-se ele. Revelou que, neste momento, estão sendo investidos no Ceará R$ 46 bilhões em projetos de geração de energias renováveis, os quais contribuirão para a transição energética no estado. Elmano concordou com a sugestão de Ricardo Cavalcante de passar a tributar as importações para colocar em igualdade de condições quem produz e gera empregos no Brasil. E concluiu, dizendo que os sete homenageados da noite “são orgulho do Ceará e dos cearenses”.
Veja também