Hidrogênio Verde: Adão Linhares responde a Maurício Tolmasquin
Especialista em energia, Linhares prova, com sólidos argumentos, que são viáveis os projetos de produção do H2V no Brasil e, também, no Ceará
Esta coluna publicou hoje, terça-feira, 29, matéria contendo opiniões de Maurício Tolmasquim, um especialista em energia, ex-presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE) e ex-diretor da Petrobras, que pôs em dúvida a viabilidade dos projetos que pretendem produzir hidrogênio verde no Brasil, o que inclui a geografia do Complexo do Pecém, aqui no Ceará, onde o governo estadual quer implantar um Hub do H2V.
Rápido no gatilho, o engenheiro Adão Linhares, outro especialista no mesmo tema, transmitiu à coluna um autêntico e longo estudo sobre a questão, cuja íntegra vai a seguir.
Com a palavra, Adão Linhares:
“Este documento apresenta um contraponto à posição cética de Maurício Tolmasquim em relação ao hidrogênio verde, estabelecendo um paralelo histórico com a trajetória da energia eólica no Brasil. A análise demonstra como novos paradigmas energéticos enfrentam resistências sistemáticas do status quo, e como o próprio Tolmasquim, que hoje critica o hidrogênio verde pelos mesmos argumentos utilizados contra a energia eólica no passado, posteriormente reconheceu o “exponencial aproveitamento da energia eólica” como uma das referências internacionais do Brasil. O trabalho argumenta que as críticas atuais ao hidrogênio verde reproduzem padrões históricos de resistência à inovação energética, sugerindo a necessidade de uma perspectiva mais ampla sobre a transição energética.
“A transição energética global tem sido marcada por ciclos recorrentes de ceticismo e resistência a novas tecnologias, seguidos por sua eventual consolidação e reconhecimento. No Brasil, esse padrão se manifestou de forma exemplar com a energia eólica, que enfrentou décadas de resistência do setor energético tradicional antes de se tornar uma das principais fontes da matriz elétrica nacional. Hoje, observamos um fenômeno similar com o hidrogênio verde, que enfrenta críticas estruturalmente idênticas àquelas dirigidas à energia eólica em seus primórdios.
“Maurício Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ex-diretor da Petrobras, emergiu recentemente como uma voz cética em relação ao hidrogênio verde, argumentando sobre a falta de compradores dispostos a pagar mais, ausência de rotas logísticas seguras e falta de contratos de longo prazo 1. Paradoxalmente, essas são precisamente as mesmas críticas que foram dirigidas à energia eólica durante sua fase inicial de desenvolvimento no Brasil, período em que o próprio Tolmasquim posteriormente reconheceria o setor como uma referência internacional.
“Este contraponto não busca desqualificar as preocupações legítimas sobre o hidrogênio verde, mas sim contextualizar essas críticas dentro de um padrão histórico mais amplo de resistência a paradigmas energéticos emergentes. A análise da trajetória da energia eólica no Brasil oferece lições valiosas sobre como tecnologias inicialmente consideradas problemáticas podem evoluir para se tornarem pilares da segurança energética nacional.
A Posição Atual de Tolmasquim sobre o Hidrogênio Verde
Em julho de 2025, Maurício Tolmasquim publicou em seu perfil no LinkedIn uma análise crítica dos projetos mundiais de produção de hidrogênio verde, incluindo especificamente o projeto do Pecém no Ceará 1. Sua posição pode ser sintetizada em cinco argumentos principais que ecoam preocupações estruturais sobre a viabilidade econômica e técnica desta nova fonte energética.
O primeiro e mais central argumento de Tolmasquim é a questão da demanda: “Sem compradores dispostos a pagar mais, o hidrogênio verde não decola. Este é o ponto central trazido pelo setor privado”. "Segundo sua análise, muitos dos potenciais consumidores — siderúrgicas, indústrias químicas, transportadoras — ainda não possuem modelos de negócio que absorvam um insumo mais caro, mesmo com menor pegada de carbono. Esta crítica reflete uma perspectiva de mercado que prioriza a competitividade imediata sobre investimentos de longo prazo em sustentabilidade.
“O segundo conjunto de preocupações diz respeito à infraestrutura e regulamentação. Apoiado em informações da Reuters, Tolmasquim destaca que “em vários países (o Brasil no meio), ainda faltam rotas logísticas seguras, claridade regulatória, mecanismos de precificação das emissões que valorizem o hidrogênio verde e, principalmente, contratos de longo prazo que sinalizem demanda firme (offtakes)” 1. Esta análise evidencia uma visão que considera a ausência de infraestrutura madura como um impedimento fundamental ao desenvolvimento da tecnologia.
“O terceiro argumento centra-se na questão temporal e competitiva. Tolmasquim expressa preocupação de que o Brasil possa ficar “prontos depois que o mercado já estiver formado lá fora”, sugerindo que a janela de oportunidade para o hidrogênio verde pode estar se fechando. Esta perspectiva reflete uma abordagem de mercado que privilegia a entrada rápida em setores já estabelecidos, em detrimento do desenvolvimento pioneiro de novas tecnologias.
“O quarto elemento de sua crítica aborda a questão regulatória específica do Brasil. Embora reconheça que o país possui “vantagens comparativas evidentes — fontes renováveis abundantes, energia competitiva” e que “já demos um passo importante com a aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão”, Tolmasquim argumenta que “a regulamentação ainda não veio, e com ela seguem pendentes o detalhamento dos incentivos fiscais, a criação do programa nacional, as regras de certificação e os critérios operacionais”.
“Finalmente, Tolmasquim cita dados da Reuters sobre a retração global no setor, observando que “diversos projetos globais foram suspensos ou cancelados, colocando em risco metas climáticas ambiciosas assumidas por governos e empresas”. Esta perspectiva utiliza as dificuldades iniciais do setor como evidência de sua inviabilidade estrutural, uma abordagem que historicamente tem se mostrado problemática na avaliação de tecnologias emergentes.
“A análise de Tolmasquim, embora tecnicamente fundamentada, revela uma perspectiva que prioriza a viabilidade econômica imediata e a infraestrutura já estabelecida. Esta abordagem, quando aplicada retroativamente a outras tecnologias energéticas, teria levado a conclusões igualmente céticas sobre fontes que hoje são consideradas fundamentais para a matriz energética brasileira.
“O Histórico da Energia Eólica no Brasil: Lições de um Paradigma Emergente
“A trajetória da energia eólica no Brasil oferece um caso paradigmático de como novas tecnologias energéticas enfrentam resistências sistemáticas antes de sua consolidação. Esta história, que se estende por mais de três décadas, revela padrões de ceticismo e oposição que ecoam nas críticas contemporâneas ao hidrogênio verde.
“Os Primórdios: Experimentação e Ceticismo (1992-2001)
“A primeira instalação de um aerogerador no Brasil ocorreu em 1992, quando o Centro Brasileiro de Energia Eólica (CBEE) e a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) estabeleceram uma parceria com um instituto dinamarquês para instalar uma turbina de 225 kW em Fernando de Noronha 2. Este projeto pioneiro enfrentou ceticismo generalizado do setor energético, que questionava a viabilidade técnica e econômica da energia eólica em um país com matriz hidrelétrica consolidada.
“O período inicial foi marcado por projetos experimentais de pequena escala. Em 1999, iniciou-se o planejamento dos projetos-piloto de Taíba nos municípios de São Gonçalo do Amarante e Mucuripe, no Ceará, com a instalação de anemômetros para medição do potencial eólico 2. No mesmo ano, entrou em operação a primeira usina comercial no Ceará, localizada na Praia da Taíba, com capacidade de apenas 5 MW, composta por dez aerogeradores de 44 metros de altura e 500 kW cada.
“Durante este período, a energia eólica enfrentava críticas estruturalmente similares às dirigidas hoje ao hidrogênio verde. O setor energético tradicional questionava a intermitência da fonte, a ausência de infraestrutura adequada, os custos elevados e a falta de demanda estabelecida. A estimativa do potencial eólico brasileiro em 2001 era de apenas 143 GW, considerando torres de até 50 metros de altura 2, um número que seria posteriormente revisado drasticamente para cima conforme a tecnologia evoluía.
“O Marco Regulatório: PROINFA e a Primeira Institucionalização (2002-2008)
“O ano de 2001 marcou um ponto de inflexão com o lançamento do Programa Emergencial de Energia Eólica (Proeólica), estabelecido pela Medida Provisória 2.198-3 2. Este programa criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica e estabeleceu diretrizes para programas de enfrentamento da crise energética, reconhecendo pela primeira vez a energia eólica como uma alternativa viável.
“A institucionalização definitiva veio com o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), instituído pela Lei nº 10.438 de 26 de abril de 2002 e regulamentado pelo Decreto nº 5.025 de 30 de março de 2004 3. O PROINFA representou o primeiro esforço sistemático do governo brasileiro para diversificar a matriz energética nacional através do aproveitamento de fontes energéticas locais.
“Os resultados do PROINFA para a energia eólica foram significativos, mas ainda modestos em escala nacional. O programa foi responsável pela contratação de 1.422,9 MW eólicos, dos quais 90% foram efetivamente postos em operação 4. Foram implementadas 52 usinas eólicas com capacidade instalada total de 1.282,52 MW, representando uma expansão substancial em relação aos projetos experimentais da década anterior.
“No entanto, o PROINFA também revelou os desafios econômicos enfrentados por tecnologias emergentes. O custo médio da energia eólica no programa foi de aproximadamente R$ 345,00/MWh (corrigido para valores de 2014), um valor considerado elevado pelos padrões da época 4. Esta questão de custos alimentou críticas do setor energético tradicional, que argumentava sobre a inviabilidade econômica da fonte eólica em comparação com hidrelétricas e termelétricas estabelecidas.
A Resistência do Setor Tradicional: Argumentos Familiares (2008-2013)
“O período entre 2008 e 2013 foi marcado por uma intensificação das resistências à energia eólica, documentada de forma exemplar em um artigo da Revista DAE de julho de 2013, intitulado “Resistência às eólicas cresce e setor tenta reagir”.
“Este documento histórico captura com precisão os argumentos utilizados pelo setor energético tradicional contra a expansão eólica, argumentos que ecoam de forma notável nas críticas contemporâneas ao hidrogênio verde.
“O principal argumento técnico contra a energia eólica centrava-se na questão da intermitência. Como documentado na época, “sem vento, uma turbina eólica deixa de gerar energia repentinamente, risco que não existe com as termelétricas, que queimam gás, biomassa ou carvão de forma contínua”. Esta crítica estabelecia uma comparação desfavorável com fontes tradicionais, argumentando que “mesmo com escassez de chuvas, uma hidrelétrica também não para de produzir energia abruptamente”.
“A percepção de que a energia eólica seria “uma fonte menos confiável que a hidráulica” estava profundamente enraizada no setor energético. Esta visão refletia não apenas preocupações técnicas legítimas, mas também uma resistência cultural a mudanças no paradigma energético estabelecido. Mathias Becker, presidente da Renova na época, observou que “o segmento é vítima de preconceito” 5, uma caracterização que revela a dimensão não-técnica das resistências enfrentadas.
“As medidas governamentais do período também refletiam essa resistência institucional. Em 2013, as eólicas foram excluídas do leilão de energia nova de 29 de agosto, que incluía usinas a carvão, térmicas a gás, biomassa e hidrelétricas 5. Esta exclusão foi particularmente significativa porque priorizava fontes mais poluentes, como o carvão, em detrimento de uma fonte renovável em desenvolvimento.
“Quando as eólicas foram incluídas em leilões específicos, enfrentaram condições desfavoráveis. Os projetos eólicos tinham apenas dois anos para conclusão, comparados aos cinco anos concedidos às térmicas a carvão e gás. Além disso, o governo aumentou as exigências de nacionalização, obrigando fabricantes a produzir no país torre, máquina e pás, exigências que não eram feitas para outros setores.
“A resistência não era apenas nacional. Como observado na época, “esse sentimento em relação às eólicas não aumenta apenas no Brasil… O movimento também é mundial”. A fabricante dinamarquesa Vestas chegou a lançar uma campanha específica para combater o “crescente lobby contra a indústria eólica na Austrália”, demonstrando que a resistência a novos paradigmas energéticos transcendia fronteiras nacionais.
“A Mudança de Perspectiva: Tolmasquim e o Reconhecimento da Energia Eólica
“ Uma das ironias mais reveladoras desta análise histórica emerge quando examinamos a evolução da própria perspectiva de Maurício Tolmasquim em relação à energia eólica. Em 2012, apenas um ano antes do pico das resistências documentadas pela Revista DAE, Tolmasquim publicou um artigo acadêmico que oferece uma visão radicalmente diferente da energia eólica, reconhecendo-a como uma das referências internacionais do Brasil.
“O Reconhecimento Acadêmico (2012)
No artigo “Perspectivas e planejamento do setor energético no Brasil”, publicado na revista Estudos Avançados em 2012, Tolmasquim apresenta uma avaliação notavelmente positiva da energia eólica brasileira. Sua análise afirma categoricamente que “o Brasil tem feito seu ‘dever de casa’ na área energética, tanto que é citado como referência internacional na produção de petróleo em águas profundas, na produção de etanol, no seu parque de geração hidrelétrico, no exponencial aproveitamento da energia eólica, no seu extenso e integrado sistema de transmissão de energia elétrica”.
“Esta declaração é particularmente significativa porque coloca a energia eólica no mesmo patamar de outras conquistas energéticas brasileiras amplamente reconhecidas. O uso do termo “exponencial aproveitamento” sugere não apenas reconhecimento, mas entusiasmo em relação ao desenvolvimento da fonte eólica. Tolmasquim destaca especificamente “a competitividade dos recentes leilões de geração de energia eólica e hidrelétrica” 6, reconhecendo que as conquistas no setor elétrico decorriam da revisão do marco regulatório e institucional.
“A Contextualização Histórica da Mudança
“A mudança de perspectiva de Tolmasquim sobre a energia eólica não ocorreu no vácuo, mas refletiu uma transformação mais ampla na percepção do setor energético brasileiro. Entre 2009 e 2013, a energia eólica passou por uma revolução em termos de competitividade e escala que desafiou fundamentalmente as premissas dos céticos.
“O primeiro leilão exclusivo para energia eólica, realizado em 2009, marcou um ponto de inflexão histórico. Este leilão foi responsável pela contratação de 1.805,7 MW, dos quais aproximadamente 66% encontravam-se em operação até 2014 4. Mais importante ainda, demonstrou que a energia eólica poderia competir em termos de preço com fontes tradicionais.
“A evolução dos custos foi particularmente dramática. Enquanto o PROINFA havia contratado energia eólica a aproximadamente R 115,00/MWh. Esta redução de custos de aproximadamente 67% em menos de uma década desafiou fundamentalmente os argumentos econômicos contra a energia eólica.
“Entre 2009 e 2013, foram realizados dez leilões que resultaram na contratação de 11.751,1 MW de energia eólica, distribuídos em 470 empreendimentos 4. Esta expansão representou um crescimento de mais de 800% em relação à capacidade contratada pelo PROINFA, demonstrando não apenas viabilidade técnica, mas também demanda robusta do mercado.
“O Paradoxo da Perspectiva Retrospectiva
“O reconhecimento de Tolmasquim da energia eólica como uma referência internacional em 2012 cria um paradoxo interessante quando contrastado com suas críticas atuais ao hidrogênio verde. Os argumentos que ele utiliza contra o hidrogênio verde em 2025 — falta de compradores dispostos a pagar mais, ausência de rotas logísticas, falta de contratos de longo prazo — são estruturalmente idênticos aos argumentos utilizados contra a energia eólica durante seu período de desenvolvimento.
“Este paradoxo sugere que a perspectiva sobre tecnologias energéticas emergentes pode ser significativamente influenciada pelo momento histórico da avaliação. Tecnologias que parecem problemáticas em seus estágios iniciais podem evoluir rapidamente para se tornarem pilares da segurança energética nacional. A trajetória da energia eólica demonstra que críticas baseadas em limitações temporárias podem subestimar o potencial de longo prazo de novas tecnologias.
“Lições para a Avaliação de Tecnologias Emergentes
“A evolução da perspectiva de Tolmasquim sobre a energia eólica oferece lições valiosas para a avaliação de tecnologias energéticas emergentes. Primeiro, demonstra que especialistas respeitados podem revisar suas avaliações conforme novas evidências emergem. Segundo, sugere que a resistência inicial a novas tecnologias pode refletir limitações temporárias que são superadas através de desenvolvimento tecnológico e apoio político adequado.
“Mais fundamentalmente, a trajetória da energia eólica ilustra como paradigmas energéticos emergentes requerem uma perspectiva de longo prazo que vai além das limitações imediatas. As críticas válidas sobre custos, infraestrutura e demanda que caracterizaram os primeiros anos da energia eólica foram gradualmente superadas através de investimento sustentado, desenvolvimento tecnológico e criação de marcos regulatórios apropriados.
“O reconhecimento retrospectivo de Tolmasquim da energia eólica como uma referência internacional sugere que sua atual perspectiva cética sobre o hidrogênio verde pode estar sujeita a revisões similares conforme a tecnologia evolui. Esta possibilidade não invalida suas preocupações atuais, mas contextualiza-as dentro de um padrão histórico mais amplo de ceticismo seguido por reconhecimento.
“Análise Comparativa: Padrões de Resistência a Paradigmas Energéticos Emergentes
“A comparação sistemática entre as resistências enfrentadas pela energia eólica e as críticas atuais ao hidrogênio verde revela padrões notavelmente consistentes na forma como o setor energético tradicional responde a tecnologias disruptivas. Esta análise comparativa não apenas ilumina as similaridades estruturais entre os dois casos, mas também sugere que as críticas ao hidrogênio verde podem estar reproduzindo vieses históricos que se mostraram inadequados para avaliar o potencial de longo prazo de novas tecnologias energéticas.
“Argumentos Econômicos: O Dilema do Custo Inicial
“O primeiro paralelo significativo emerge na questão dos custos e viabilidade econômica. As críticas de Tolmasquim ao hidrogênio verde centram-se na ausência de “compradores dispostos a pagar mais” e na falta de “modelos de negócio que absorvam um insumo mais caro”. Esta preocupação ecoa precisamente os argumentos utilizados contra a energia eólica durante o período do PROINFA, quando os custos de aproximadamente R$ 345,00/MWh eram considerados proibitivos pelo setor energético tradicional.
“A trajetória da energia eólica demonstra como custos iniciais elevados podem ser dramaticamente reduzidos através de escala, desenvolvimento tecnológico e aprendizado operacional. A redução de custos de 67% observada entre o PROINFA e os leilões subsequentes (de R 115,00/MWh) 4 ilustra como tecnologias emergentes podem rapidamente se tornar competitivas quando recebem apoio adequado e oportunidades de desenvolvimento.
“O argumento sobre a falta de compradores dispostos a pagar mais também ignora a dinâmica histórica de adoção de tecnologias limpas. Durante os primeiros anos da energia eólica, distribuidoras e consumidores industriais expressavam resistência similar a pagar prêmios por energia renovável. No entanto, a combinação de incentivos regulatórios, pressões ambientais crescentes e redução de custos tecnológicos criou gradualmente um mercado robusto para energia eólica.
“Questões de Infraestrutura: o Problema do Ovo e da Galinha
“O segundo paralelo fundamental relaciona-se às questões de infraestrutura e logística. Tolmasquim critica a falta de “rotas logísticas seguras” e infraestrutura adequada para o hidrogênio verde. Esta crítica replica exatamente os argumentos utilizados contra a energia eólica, que enfrentava a ausência de linhas de transmissão adequadas, falta de experiência em operação e manutenção, e inexistência de uma cadeia de suprimentos nacional.
“A energia eólica resolveu esses desafios através de investimento coordenado em infraestrutura, desenvolvimento de capacidades nacionais e criação de marcos regulatórios que incentivaram a formação de uma cadeia de valor completa. O PROINFA, por exemplo, incluiu exigências de nacionalização que inicialmente foram criticadas como barreiras ao desenvolvimento, mas que posteriormente se mostraram fundamentais para criar uma indústria eólica nacional competitiva.
“A questão da infraestrutura para hidrogênio verde apresenta desafios similares, mas não insurmontáveis. Assim como a energia eólica exigiu investimentos em novas linhas de transmissão e capacidades operacionais, o hidrogênio verde requer desenvolvimento de infraestrutura de produção, armazenamento e transporte. A experiência eólica sugere que esses investimentos podem ser viabilizados através de políticas públicas adequadas e coordenação entre setor público e privado.
“Marcos Regulatórios: A Crítica da Regulamentação Incompleta
“O terceiro paralelo emerge na questão regulatória. Tolmasquim argumenta que, embora o Brasil tenha aprovado o marco legal do hidrogênio de baixa emissão, “a regulamentação ainda não veio, e com ela seguem pendentes o detalhamento dos incentivos fiscais, a criação do programa nacional, as regras de certificação e os critérios operacionais”.
“Esta crítica ecoa precisamente as preocupações expressas sobre a energia eólica durante seus primeiros anos de desenvolvimento. O PROINFA enfrentou atrasos regulamentares significativos, incertezas sobre critérios de certificação e dificuldades na implementação de incentivos fiscais. No entanto, esses desafios foram gradualmente superados através de refinamentos regulatórios sucessivos e aprendizado institucional.
“A experiência eólica demonstra que marcos regulatórios para tecnologias emergentes evoluem iterativamente. O PROINFA foi seguido por uma série de aperfeiçoamentos regulatórios que culminaram no sistema de leilões que tornou a energia eólica competitiva. Esta evolução sugere que a regulamentação incompleta do hidrogênio verde representa um desafio temporário, não uma barreira estrutural.
“Questões de Demanda: O Mercado em Formação
“O quarto paralelo relaciona-se à questão da demanda e contratos de longo prazo. Tolmasquim critica a falta de “contratos de longo prazo que sinalizem demanda firme (offtakes)” para o hidrogênio verde. Esta preocupação replica exatamente os argumentos utilizados contra a energia eólica, que enfrentava ceticismo sobre a existência de demanda sustentada para energia intermitente.
“A energia eólica superou esse desafio através da criação de mecanismos contratuais inovadores e do desenvolvimento gradual de um mercado maduro. Os leilões de energia criaram um sistema de contratos de longo prazo que forneceu segurança tanto para investidores quanto para compradores. A experiência demonstra que mercados para tecnologias energéticas emergentes podem ser criados através de políticas públicas adequadas e instrumentos contratuais apropriados.
“Argumentos de Intermitência e Confiabilidade
“O quinto paralelo emerge nas questões técnicas de confiabilidade. Embora Tolmasquim não critique diretamente a intermitência do hidrogênio verde (que é uma tecnologia de armazenamento), suas preocupações sobre a viabilidade técnica ecoam os argumentos históricos sobre a intermitência da energia eólica. Durante os anos 2000 e início dos anos 2010, a intermitência era considerada uma barreira fundamental à expansão eólica.
“A energia eólica superou essas preocupações por meio de desenvolvimento tecnológico (melhores sistemas de previsão, turbinas mais eficientes), diversificação geográfica de parques eólicos e integração com outras fontes na matriz energética. A experiência demonstra que desafios técnicos aparentemente fundamentais podem ser superados através de inovação e integração sistêmica adequada.
“Perspectivas Temporais: O Risco do Timing
“Finalmente, ambos os casos revelam preocupações similares sobre timing e competitividade internacional. Tolmasquim expressa preocupação de que o Brasil possa ficar “prontos depois que o mercado já estiver formado lá fora” 1. Esta preocupação ecoa argumentos históricos de que o Brasil estava atrasado no desenvolvimento eólico em relação a países europeus e aos Estados Unidos.
“No entanto, a experiência eólica demonstra que países podem tornar-se líderes globais mesmo começando relativamente tarde, desde que implementem políticas adequadas e aproveitem suas vantagens comparativas. O Brasil tornou-se um dos maiores mercados eólicos mundiais precisamente porque soube aproveitar seus recursos naturais excepcionais e criar um ambiente regulatório favorável, mesmo tendo começado décadas depois dos pioneiros europeus.
“Implicações para o Hidrogênio Verde: Lições da Trajetória Eólica
“A análise histórica da energia eólica no Brasil oferece insights valiosos para a avaliação das perspectivas do hidrogênio verde, sugerindo que muitas das críticas atuais podem estar reproduzindo padrões de ceticismo que se mostraram inadequados para avaliar o potencial de longo prazo de tecnologias energéticas emergentes. Esta seção examina as implicações específicas desta análise histórica para o desenvolvimento do hidrogênio verde no Brasil.
“Superação de Barreiras Econômicas: O Precedente da Competitividade
“A trajetória de custos da energia eólica oferece o precedente mais relevante para avaliar as perspectivas econômicas do hidrogênio verde. A redução de 67% nos custos da energia eólica entre o PROINFA e os leilões subsequentes 4 demonstra como tecnologias emergentes podem rapidamente se tornar competitivas através de escala, aprendizado tecnológico e otimização operacional.
“O hidrogênio verde apresenta características similares de uma tecnologia em curva de aprendizado acelerada. Os custos de eletrólise têm diminuído consistentemente, e projeções da Agência Internacional de Energia sugerem reduções de custos de 30-50% até 2030. A experiência eólica sugere que essas projeções podem ser conservadoras, especialmente se o hidrogênio verde receber apoio político e regulatório comparável ao que foi fornecido à energia eólica.
“A questão dos “compradores dispostos a pagar mais” também pode ser contextualizada através da experiência eólica. Durante os primeiros anos do PROINFA, distribuidoras expressavam resistência similar a contratar energia eólica devido aos custos elevados. No entanto, a combinação de mandatos regulatórios, incentivos fiscais e redução gradual de custos criou um mercado robusto. Mecanismos similares podem ser aplicados ao hidrogênio verde, especialmente considerando as crescentes pressões por descarbonização industrial.
“Desenvolvimento de Infraestrutura: O Modelo de Coordenação Público-Privada
“A experiência eólica demonstra como desafios de infraestrutura aparentemente insurmontáveis podem ser superados através de coordenação adequada entre setor público e privado. O desenvolvimento da infraestrutura de transmissão para energia eólica exigiu investimentos coordenados em linhas de transmissão, subestações e sistemas de controle que inicialmente pareciam proibitivos.
“Para o hidrogênio verde, desafios similares existem no desenvolvimento de infraestrutura de produção, armazenamento e transporte. No entanto, a experiência eólica sugere que esses investimentos podem ser viabilizados através de políticas públicas adequadas, incluindo garantias de financiamento, marcos regulatórios claros e coordenação entre diferentes níveis de governo.
“O Brasil possui vantagens específicas para o desenvolvimento de infraestrutura de hidrogênio verde, incluindo abundantes recursos renováveis, experiência em projetos de infraestrutura de grande escala e proximidade a mercados internacionais em crescimento. A experiência eólica sugere que essas vantagens podem ser efetivamente aproveitadas através de planejamento estratégico e implementação coordenada.
“Evolução Regulatória: O Precedente do Aperfeiçoamento Iterativo
“A crítica de Tolmasquim sobre a regulamentação incompleta do hidrogênio verde pode ser contextualizada através da experiência regulatória da energia eólica. O PROINFA enfrentou desafios regulatórios significativos, incluindo atrasos na implementação, incertezas sobre critérios de certificação e dificuldades na coordenação entre diferentes agências governamentais.
“No entanto, esses desafios foram gradualmente superados através de refinamentos regulatórios sucessivos. O sistema de leilões que tornou a energia eólica competitiva emergiu de um processo de aprendizado institucional que incluiu múltiplas iterações e ajustes baseados na experiência prática. Esta evolução sugere que a regulamentação do hidrogênio verde pode seguir trajetória similar, com aperfeiçoamentos graduais baseados na implementação de projetos piloto e feedback do mercado.
“A aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão representa um primeiro passo importante, comparável à criação do PROINFA. A experiência eólica sugere que os detalhamentos regulatórios subsequentes podem ser desenvolvidos de forma iterativa, permitindo ajustes baseados na experiência prática e evolução tecnológica.
“Criação de Mercados: O Precedente dos Leilões de Energia
“A preocupação sobre a falta de contratos de longo prazo para hidrogênio verde pode ser abordada através de mecanismos similares aos que criaram o mercado de energia eólica. Os leilões de energia forneceram um modelo efetivo para criar demanda garantida, reduzir riscos de investimento e promover competição entre tecnologias.
“Leilões específicos para hidrogênio verde, ou inclusão de hidrogênio verde em leilões de energia existentes, poderiam fornecer os contratos de longo prazo necessários para viabilizar investimentos. A experiência eólica demonstra que esses mecanismos podem ser efetivos tanto para reduzir custos quanto para criar mercados sustentáveis.
“Além disso, a crescente demanda internacional por hidrogênio verde cria oportunidades de mercado que não existiam para a energia eólica em seus primórdios. Países europeus estão implementando estratégias nacionais de hidrogênio que incluem importações significativas, criando um mercado de exportação potencial que pode complementar a demanda doméstica.
“Vantagens Comparativas: O Precedente do Aproveitamento de Recursos Naturais
“A experiência eólica demonstra como o Brasil pode aproveitar suas vantagens comparativas naturais para se tornar líder global em tecnologias energéticas emergentes. Os recursos eólicos excepcionais do Nordeste brasileiro foram fundamentais para o sucesso da energia eólica, permitindo fatores de capacidade superiores aos observados em outros países.
“Para o hidrogênio verde, o Brasil possui vantagens comparativas ainda mais pronunciadas. A abundância de recursos solares e eólicos, combinada com experiência em projetos de energia renovável de grande escala, posiciona o país de forma única para produção de hidrogênio verde competitivo. A experiência eólica sugere que essas vantagens podem ser efetivamente aproveitadas através de políticas adequadas e investimento coordenado.
Timing e Competitividade Internacional: O Precedente da Liderança Tardia
“A preocupação de Tolmasquim sobre o timing do desenvolvimento do hidrogênio verde pode ser contextualizada através da experiência eólica brasileira. O Brasil começou o desenvolvimento eólico décadas depois dos pioneiros europeus, mas conseguiu se tornar um dos maiores mercados mundiais através de políticas adequadas e aproveitamento de vantagens comparativas.
Esta experiência sugere que países podem se tornar líderes globais mesmo começando relativamente tarde, desde que implementem estratégias adequadas e aproveitem suas vantagens naturais. Para o hidrogênio verde, o Brasil tem a oportunidade de ser um dos primeiros países a desenvolver uma indústria de escala comercial, potencialmente assumindo uma posição de liderança global.
A experiência eólica também demonstra que o desenvolvimento de tecnologias energéticas emergentes pode criar oportunidades de exportação significativas. O Brasil se tornou um exportador de tecnologia e conhecimento eólico, com empresas brasileiras desenvolvendo projetos em outros países. O hidrogênio verde oferece oportunidades similares, especialmente considerando a crescente demanda internacional.
Conclusão: O Paradoxo dos Paradigmas Energéticos e a Necessidade de Perspectiva Histórica
A análise comparativa entre as resistências enfrentadas pela energia eólica e as críticas atuais ao hidrogênio verde revela um paradoxo fundamental na forma como o setor energético avalia tecnologias emergentes. Este paradoxo é exemplificado de forma particularmente clara na trajetória intelectual de Maurício Tolmasquim, que passou de reconhecer o “exponencial aproveitamento da energia eólica” como uma referência internacional para aplicar ao hidrogênio verde os mesmos argumentos céticos que foram utilizados contra a energia eólica durante seu período de desenvolvimento.
A Persistência de Padrões de Resistência
A documentação histórica apresentada neste trabalho demonstra que as críticas ao hidrogênio verde reproduzem, com notável precisão, os argumentos utilizados contra a energia eólica entre 2000 e 2013. A preocupação com custos elevados, falta de infraestrutura, ausência de marcos regulatórios completos, inexistência de demanda estabelecida e questões de timing competitivo caracterizaram tanto a resistência à energia eólica quanto as críticas atuais ao hidrogênio verde.
Esta persistência de padrões sugere que a resistência a novos paradigmas energéticos pode refletir vieses cognitivos e institucionais que vão além de preocupações técnicas legítimas. A tendência de avaliar tecnologias emergentes através das limitações de seu estado atual, sem considerar seu potencial de evolução, parece ser uma característica recorrente na análise de inovações energéticas.
A Evolução da Perspectiva Especializada
O caso de Tolmasquim ilustra como mesmo especialistas respeitados podem revisar fundamentalmente suas avaliações conforme novas evidências emergem. Seu reconhecimento da energia eólica como uma referência internacional em 2012 contrasta marcadamente com o ceticismo que caracterizou o setor energético durante os primeiros anos de desenvolvimento eólico. Esta evolução sugere que perspectivas sobre tecnologias emergentes são significativamente influenciadas pelo momento histórico da avaliação.
A capacidade de revisar avaliações baseadas em novas evidências é uma característica valiosa do pensamento científico. No entanto, a aplicação de critérios céticos similares ao hidrogênio verde sugere que pode haver uma tendência sistemática de subestimar o potencial de tecnologias em estágios iniciais de desenvolvimento.
Lições para a Avaliação de Tecnologias Emergentes
A trajetória da energia eólica oferece lições importantes para a avaliação de tecnologias energéticas emergentes. Primeiro, demonstra que limitações iniciais em termos de custos, infraestrutura e marcos regulatórios podem ser superadas através de desenvolvimento tecnológico, aprendizado operacional e apoio político adequado. Segundo, sugere que a competitividade de tecnologias emergentes pode evoluir rapidamente, tornando as avaliações baseadas em condições atuais potencialmente inadequadas.
Terceiro, a experiência eólica ilustra como países podem aproveitar vantagens comparativas naturais para se tornarem líderes globais em tecnologias emergentes, mesmo começando relativamente tarde. Finalmente, demonstra que o desenvolvimento de novas tecnologias energéticas pode criar oportunidades econômicas significativas, incluindo desenvolvimento industrial, geração de empregos e potencial de exportação.
Implicações para o Hidrogênio Verde
Aplicando essas lições ao hidrogênio verde, a análise sugere que muitas das críticas atuais podem estar subestimando o potencial de longo prazo da tecnologia. As preocupações sobre custos, infraestrutura e demanda, embora legítimas no contexto atual, podem ser superadas através de desenvolvimento tecnológico e políticas adequadas, assim como ocorreu com a energia eólica.
O Brasil possui vantagens comparativas excepcionais para o hidrogênio verde, incluindo abundantes recursos renováveis, experiência em projetos de energia de grande escala e proximidade a mercados internacionais em crescimento. A experiência eólica sugere que essas vantagens podem ser efetivamente aproveitadas para posicionar o país como líder global em hidrogênio verde.
A Necessidade de Perspectiva Histórica
Este trabalho argumenta que a avaliação de tecnologias energéticas emergentes requer uma perspectiva histórica que reconheça os padrões de resistência e evolução que caracterizam a inovação energética. A tendência de aplicar critérios baseados em limitações atuais pode levar a subestimação sistemática do potencial de tecnologias em desenvolvimento.
A experiência da energia eólica demonstra que tecnologias inicialmente consideradas problemáticas podem evoluir rapidamente para se tornarem pilares da segurança energética nacional. Esta lição sugere que o hidrogênio verde merece consideração séria como uma tecnologia com potencial transformador, independentemente de suas limitações atuais.
Reflexões Finais
O paradoxo exemplificado pela trajetória de Tolmasquim — de cético da energia eólica a reconhecedor de sua importância, e novamente cético em relação ao hidrogênio verde — ilustra a complexidade da avaliação de tecnologias emergentes. Esta complexidade sugere a necessidade de humildade intelectual e abertura para revisão de perspectivas conforme novas evidências emergem.
A transição energética global requer não apenas desenvolvimento tecnológico, mas também evolução na forma como avaliamos e apoiamos tecnologias emergentes. A experiência da energia eólica no Brasil oferece um modelo valioso de como países podem superar resistências iniciais para se tornarem líderes em tecnologias limpas. Aplicar essas lições ao hidrogênio verde pode ser fundamental para o sucesso da próxima fase da transição energética brasileira.
O reconhecimento de que novos paradigmas energéticos enfrentam resistências sistemáticas não deve levar à aceitação acrítica de todas as tecnologias emergentes. No entanto, deve informar uma abordagem mais nuançada que considere o potencial de evolução tecnológica e a importância de apoio adequado durante estágios iniciais de desenvolvimento. A história da energia eólica no Brasil sugere que essa abordagem pode ser fundamental para identificar e desenvolver as tecnologias que definirão o futuro energético do país.
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