Energia eólica: Decreto destrava offshore, de mais qualidade

Em artigo para esta coluna, Jurandir Picanço, consultor em energia, torce para que se implantem logo no mar os projetos pioneiros, que reduzirão custos e desenvolverão o mercado e a cadeia produtiva.

Legenda: O Ceará, que produziu em 2019 um Atlas Eólico e Solar, com sus potencialidades no setor, mantém protagonismo na geração de energias renováveis
Foto: Shutterstock

Jurandir Picanço, engenheiro, consultor em energia da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) e membro da Academia Cearense de Energia, é o autor do texto a seguir, no qual ela desenha o cenário do futuro próximo da energia eólica offshore diante do recém-publicado Decreto do presidente Bolsonaro, regulando a construção e a operação dos projetos de geração eólica dentro do mar.

Veja também

Eis o que escreveu Jurandir Picanço: 

“A energia renovável está em alta. No Brasil, a energia elétrica é predominantemente renovável por sua base hidráulica e pela grande expansão das energias eólica onshore (em terra) e a solar fotovoltaica.

“O potencial brasileiro para a produção de energia eólica offshore (no mar) é superior ao seu imenso potencial onshore e, pela regularidade e maior velocidade dos ventos, de melhor qualidade.

Na Europa, Ásia e Estados Unidos, a geração eólica offshore já registra uma grande expansão. Poderia ficar inexplorado esse imenso potencial brasileiro? Quais as barreiras?

“Os equipamentos eólicos offshore se diferenciam em sua dimensão. Os aerogeradores maiores são mais eficientes. A cada ano são produzidos aerogeradores de maior dimensão. Ocorre que, em terra, as restrições logísticas para o transporte das turbinas e pás limitam suas potências para equipamentos da ordem de 5 MW. Potência que já é 10 vezes superior à dos aerogeradores que marcaram o início da geração eólica no Brasil.

“No mar não existem essas limitações logísticas e, a cada ano, são desenvolvidos aerogeradores de maior potência, alcançando 15 MW, ou seja, três vezes superior à dos maiores onshore.

“Os projetos offshore no Brasil indicam um custo do kWh expressivamente maior do que o produzido nas novas usinas eólicas onshore. Esse custo mais elevado representa a primeira e principal barreira. Para transpô-la é imperativo a implantação de usinas pioneiras que propiciarão o desenvolvimento da cadeia produtiva. 

“O Brasil já conhece esse roteiro. Hoje, as opções de energia eólica onshore e solar fotovoltaica são as que resultam em menor custo do kWh produzido. Em ambos os casos os projetos pioneiros dessas modalidades apresentavam custos da ordem de três vezes dos atuais. Só com o desenvolvimento do mercado e da cadeia produtiva esses custos poderão ser reduzidos. Portanto é preciso começar.

“Tratando-se de uma atividade no mar, diferentemente de propriedade em terra na qual o seu dono pode definir sua ocupação para a agricultura, a pecuária, a produção de energia e/ou atividades consorciadas, no mar, variadas atividades podem se desenvolver e só o Governo Federal tem atribuições para definir e autorizar os diversos usos. Há uma multiplicidade de órgãos do Governo Federal com atribuições sobre as atividades no mar, formando um emaranhado burocrático que se constitui na segunda barreira.
 
“O Decreto Federal Nº 10.946, de 25/01/2022 cumpre o objetivo de destravar a burocracia para a viabilização dos projetos eólicos offshore. O instrumento relaciona nove entidades federadas envolvidas que, no mínimo, deverão emitir uma Declaração de Interferência Prévia – DIP, assegurando que as instalações associadas ao parque offshore não interferem nas atividades de suas responsabilidades.
 
“Entre essas atividades estão: navegação, pesca, esportes náuticos, turismo, aviação, unidades de conservação da biodiversidade, redes de telecomunicações e exploração de gás natural e petróleo. Só em disciplinar esse emaranhado de órgãos envolvidos, o decreto já se justifica. 

“A terceira e última barreira será vencida com a realização de leilão de reserva específico para usinas eólicas offshore. O Governo Federal ainda não se manifestou de forma objetiva, mas a expectativa é que venha a ocorrer em 2023.

“Abrangente, o Decreto define o processo que resultará na cessão de uso da área marítima destinada ao empreendimento, primeiro passo para assegurar a realização do projeto, e as etapas subsequentes, chegando a definir o que ocorrerá ao final da vida útil do empreendimento. Tem, também, o propósito de evitar a reserva especulativa das áreas.

“Há questionamentos ao Decreto. Primeiro: há três projetos de lei em andamento no Congresso Nacional. É imprescindível uma lei para estabelecer o marco regulatório da geração de energia offshore? Nosso entendimento é de que o Decreto já cumpre o papel de disciplinar a atividade, deixando claro que o aparato legal existente já é suficiente.
 
“Resta apenas a argumentação de que um decreto está sujeito a alterações pelo poder executivo, o que pode representar insegurança jurídica. Por este motivo, uma lei consolidando e aperfeiçoando o Decreto será benvinda. Compatível com o Decreto, há o projeto de lei de autoria do Deputado Danilo Forte (PSDB-CE), que entendemos ser o mais adequado para oferecer a segurança necessária sem introduzir entraves aos empreendimentos. Os demais projetos de lei em andamento têm o viés estatizante, o que poderia frear o ímpeto dos empreendedores.

“No Ibama, já se encontram em processo de licenciamento ambiental projetos que somam 80,4 GW, o que representa quatro vezes a potência total instalada de usinas eólicas onshore de 20,1 GW. Somente estes números demonstram a importância que poderá assumir essa nova fronteira de geração de energia elétrica no Brasil.

“Neste contexto, o Ceará se destaca. Está localizado na melhor região para a produção eólica offshore que vai do litoral do Maranhão ao Rio Grande do Norte. O estudo realizado para o Atlas Eólico e Solar do Ceará em 2019 identificou a excelência do nosso potencial por suas qualidades. Velocidades de vento elevadas com pouca variação, predominantemente numa mesma direção, águas rasas com profundidade inferior a 20 m em mais de 60% dos 20 mil km² estudados e ausência de fenômenos climáticos extremos como tempestades e furacões. Já são seis projetos em fase de licenciamento no Ibama, representando 20% do total do Brasil. Se metade desses projetos se concretizar, eles representarão cerca de US$ 16 bilhões de investimentos e 120 mil empregos. 

“Vale ainda destacar o protagonismo dos cearenses para a concretização desse processo que resultou no Decreto da Geração Offshore. No evento Proenergia, realizado em outubro de 2021 na Fiec, compareceu o ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, que, instigado pelo presidente da entidade, Ricardo Cavalcante, assumiu o compromisso de regulamentar o setor por decreto. Recebeu o apoio e incentivo do deputado Danilo Forte (PSDB-CE) que lidera a Frente Parlamentar de Energias Renováveis.
 
“No âmbito da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará, foi formado um Grupo de Trabalho coordenado pelo empresário Lauro Fiúza Júnior, que produziu uma minuta de decreto redigida pelo advogado Adriano Huland. Em exemplar trabalho nos bastidores, o secretário Executivo de Energia do Ceará, Adão Linhares, apresentou e debateu essa minuta com a competente assessoria técnica do MME. Nasceu, então, mais uma opção para a produção de energia limpa no Brasil, justificando ainda mais a assertiva de que “o Ceará é o berço das energias renováveis do país”.

“Finalizando, é preciso destacar que o desenvolvimento do Hidrogênio Verde, que o Ceará lidera no Brasil, apresenta uma grande sinergia com a geração eólica offshore, sendo objeto de várias pesquisas que associam a geração eólica offshore com a produção de H2V em eletrolisadores. Tudo convergindo para assegurar o protagonismo do Ceará na busca mundial por um Planeta mais sustentável.”