Embrapa diz que o Ceará não tem política para a cajucultura
Chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Gustavo Saavedra critica a relação do produtor com o industrial e afirma que substituir cajueiro antigo pelo anão custará muito dinheiro
Mesmo na UTI, onde respira por aparelhos, a cajucultura do Ceará poderá ser salva e voltar ao protagonismo mundial no médio prazo, mas para isto terá de investir muito dinheiro, principalmente em tecnologia, e de criar uma política para o setor, o que não existe hoje.
Assinado, Gustavo Adolfo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, sediada no bairro do Pici, em Fortaleza. Ele é graduado em química pela Univeridade Federal do Rio de Janeiro e é Doutor em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos pela mesma UFRJ
Gustavo Saavedra repete o agrônomo Chico Graziano que, na última Pecnordeste, realizada em julho deste ano, advertiu que, em todo o planeta, estão crescendo sem parar os custos ambientais e de produção de adubos, de mão de obra e de energia, “e no cajueiro não é, nem será diferente”.
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Para Saavedra, é preciso acertar, antes de qualquer providência, uma série de coisas que caminham em direções opostas, a começar pela relação dos produtores da agricultura com os beneficiadores da indústria: aqueles reclamam que estes não lhes pagam o preço justo pela produção, apanha e entrega da matéria prima, mas esta queixa é bem antiga, vem de mil, novecentos e antigamente.
No caso do cajueiro antigo, gigante, de copa larga, que está em crise e condenado a desaparecer em pouco tempo, agravando o problema de toda a sua cadeia produtiva, a questão é insolúvel, segundo o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical.
“São árvores velhas, sem genética, com zero de tecnologia, e aí se trata de puro extrativismo. Tem como reverter isso? Tem, sim, com o cajueiro anão, que, todavia, traz consigo um custo de produção que muitas vezes não é remunerado pelo elo seguinte da cadeia, que é a indústria”, adverte ele.
Na última reunião da Câmara Setorial da Cajucultura, Gustavo Saavedra disse aos produtores presentes que, no extrativismo, “o valor padrão do mercado da castanha de caju, hoje, talvez feche as contas, mas apesar disto, ou seja, de fechar as contas no saldo positivo, a produção por hectare é muito baixa, não gera uma renda que dignifique ou dê uma sustentabilidade a quem produz”.
Prossegue Saavedra:
“O produtor sente-se, assim, desestimulado a prosseguir na atividade e logo conclui que o valor mensal do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família, a partir de janeiro de 2023) lhe dá uma remuneração melhor, mais tranquila e com mais certeza do que aquele que advém da produção da castanha de caju. E quando você passa a usar o cajueiro anão, você passa a ter custo, pois incorpora tecnologia. E aí o cajueiro anão pode ser uma Ferrari, que tem um custo básico de operação, que é caro. Então, você estará diante de um problema ainda maior, pois o preço básico da castanha pago pela indústria não cobre o custo de produzir, e aí chega o prejuízo. E começa a discussão de que o produtor e o industrial têm prejuízo, e isto não é verdade, sendo uma das grandes armadilhas. Nós vivemos, com a cajucultura, uma grande armadilha”, sentencia.
A coluna pergunta a Gustavo Saavedra se a Embrapa Agroindústria Tropical tem um plano para reflorestar com o cajueiro anão as áreas que abrigavam os cajueiros antigos, os quais, de tão velhos e improdutivos, foram cortados e transformados em lenha para a indústria ceramista.
Ele responde negativamente, mas deixa claro que é uma recomendação da Embrapa a substituição dos cajueiros antigos – que produzem ridículos 100 quilos por hectare – por novas florestas de cajueiro anão, cuja produtividade chega a 1 tonelada (1 mil quilos) por hectare.
“Trata-se, pois, de substituir pomares antigos por pomares novos. Não se trata de reflorestar, é diferente, pois se trata de uma questão técnica”, diz ele, levantando outra questão, voltada para a política estatal.
“Qual é a política do estado (do Ceará) para isso? Quanto custa? Estamos prontos a colaborar. Vamos fazer um estudo para saber quanto custa (trocar os pomares do cajueiro antigo pelo cajueiro anão). Eu tenho um parceiro que quer fazer esse estudo de quanto custa. Hoje, não sabemos quanto custa substituir esses pomares, porque não houve, ainda, uma área na qual pudéssemos medir quanto custa retirar os cajueiros antigos, quanto custa vender a lenha, quanto custa o plantio, quanto custa repreparar essas áreas. Nós precisaríamos medir tudo isso numa área não de um hectare, mas de 50 hectares. Nós temos um parceiro para fazer isso, mas esse parceiro está descapitalizado. Só com essa metrificação dos custos será possível definir uma política pública para a substituição dos pomares”, expõe Saavedra.
Falando com visão técnica, mas com o pé no chão da realidade cearense, o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical fala como se estivesse em uma sala de aula. E diz:
“Está faltando, realmente, uma grande política pública que pense o caju nas suas duas vertentes: uma no campo, onde temos de fazer a substituição da base produtiva, outra na área industrial. Posso afirmar, com toda a franqueza, que se nós, hoje, substituíssemos todos os cajueiros antigos por cajueiro anão, isso daria errado. Por quê? Porque a tecnologia do anão tem um custo de operação que é muito diferente do custo de operação do extrativismo do gigante, tanto é assim que uma equipe da Embrapa está fazendo simulações dos custos de produção.
“Estamos usando quatro modelos: o extrativismo do gigante, que é o padrão; o extrativismo anão, sem nenhum manejo; o manejo que a Embrapa preconiza; e o anão com manejo de alto desempenho em sequeiro. Estamos fazendo esse levantamento de custos para identificar os preços de sustentabilidade da cadeia produtiva. Os produtores que, hoje, trabalham bem o cajueiro anão com o manejo padrão da Embrapa, que é apenas o nosso terceiro modelo, encontram dificuldades. O valor pago pela indústria aos produtores não fecha as contas. Ora, quem quer trabalhar para ter prejuízo? Então, precisamos encontrar uma solução para definirmos o padrão para a sustentabilidade da cadeia.
Ele diz mais:
“O que existe hoje no estado (do Ceará) é a política de substituição de copas, que a SDA (Secretaria do Desenvolvimento Agrário) executa, algo do início do Século 20 que não gera mais efeitos. Na minha sala de trabalho, tenho uma única tese de doutorado de um colega que trabalhou analisando a substituição de copas de cajueiros em diferentes municípios. Há um limite de idade para a substituição de copas. É algo em torno de 20 anos, mas esses pomares que ainda sobrevivem têm 50 anos. Então, a política de substituição de copas não funciona mais. A política de distribuição de mudas também não está se mostrando eficiente” (a área plantada com cajueiro anão não cresce na velocidade exigida, exatamente por causa dos motivos acima expostos).
Gustavo Saavedra pede para que se imagine o Ceará decidindo trocar, hoje, tudo o que resta (e resta muito, ainda) de cajueiro antigo pela variedade anão e com a distribuição de tratores nos municípios produtores. Ele logo faz uma advertência:
“Não será a Embrapa que oferecerá assistência técnica aos produtores. Não temos pernas para isso. Onde, neste momento, há, no governo estadual ou federal, uma política pública consistente de formação de técnicos? Na última vez que fui ao interior, ouvi de produtores a queixa de que a Ematerce não tem perna para isso, não. Nem a SDA. Sem formar gente qualificada para dar suporte à tecnologia de produção de caju com o anão, não vai acontecer. É preciso fazer como está fazendo a Federação das Indústrias (Fiec) com relação ao Hub do Hidrogênio Verde de formar gente especializada para esse novo e rico mercado.
"Você sabe quantos consultores, especialistas em caju, há no Ceará? Vou ser bonzinho: não há 10 pessoas com alta capacidade para isso, treinados. Então, não vai, não tem como dar assistência. É como se você entregasse um carro de alto desempenho a alguém sem qualificação. Ele agirá como um extrativista. Então, não há uma política pública para a cajucultura que dê sustentabilidade à cadeia produtiva, nem no nível federal, nem no nível estadual. Acho mesmo que no nível federal isso é muito complicado, pois se você comparar a cajucultura com outros negócios como soja, milho, algodão, é algo muito pequeno.”
Gustavo Saavedra encerra seus comentários nos seguintes termos:
“Se para o Ceará, o Piauí e o Rio Grande a cajucultura representa boa parte do PIB, eu não entendo por que esses estados ainda não têm política pública para o caju. Acho que isso é muito mais função dos estados do que do governo federal.”