Crise na indústria de calçados do Ceará: já foram demitidas 600 pessoas

Há várias causas, entre elas a importação de produtos chineses e a tributação, pela Receita Federal, dos incentivos fiscais concedidos pelo governo cearense

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 08:30)
Legenda: A indústria de calçados do Ceará emprega muita mão de obra. Ela enfrenta agora uma crise causada pelas importações da China
Foto: Marcelino Júnior / SVM
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Atenção! A indústria de calçados do Ceará atravessa uma grave crise, que, nos últimos dias, já causou a demissão de 600 pessoas. A crise tem várias causas, a principal das quais é a enxurrada de importações de calçados da Ásia, principalmente da China, cuja indústria tem custo de produção muito mais baixo do que o da brasileira. Isto é a queda, mas há o coice: para agravar o quadro, desde o ano passado, como consequência da Lei 14.789, a Receita Federal passou a tributar os incentivos fiscais estaduais. Resultado, 35% do mercado brasileiro de calçados estão ocupados, hoje, pelos produtos asiáticos. 

Uma fonte do setor calçadista disse à coluna que a Receita Federal do Brasil está cobrando 43,2% de imposto incidente sobre o incentivo fiscal que o governo do estado concede às indústrias de calçados. Isto quer dizer que, de cada R$ 100, a Receita Federal fica com R$ 43,25, sob o argumento de que é tributável a subvenção de Investimento obtida pela indústria calçadista.  

Além dessas causas, há, ainda, a queda da renda da população e o tarifaço de Donald Trump que, igualmente, castiga toda a indústria brasileira de calçados – a do Ceará no meio. A fonte desta informação explica que o mercado interno sofre a redução da renda dos brasileiros, boa parte dos quais está desempregada, apesar da estatística do IBGE revelar que o mercado de trabalho tem hoje a menor taxa de desocupação desde muitos anos.  

“Acontece que os milhões de brasileiros que poderiam estar trabalhando estão, na verdade, na ociosidade remunerada pelo Bolsa Família, e não são incluídos nos levantamentos do IBGE. Os R$ 600 reais que recebem do governo são gastos com alimentação, ou seja, o mercado de vestuário e calçados está longe do interesse dessa multidão de beneficiários do Bolsa Família”, acrescenta a mesma fonte. 

Por sua vez – ela adianta – o tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos inibe as exportações de calçados e, ao mesmo tempo, em sentido contrário, estimula as importações, que têm crescido nos últimos meses. Em comparação com o ano passado de 2024, as importações neste 2025 elevaram-se em 35%, o que não é pouca coisa.  

Agora, atentem para este detalhe: “Por falta de recursos à disposição dos consumidores – é preciso lembrar que 80% das famílias estão inadimplentes, segundo a Serasa – há uma visível ausência de giro dos estoques no comércio varejista. Consequentemente, o que está acontecendo hoje no varejo brasileiro é a falta de encomendas do comércio para a indústria”, diz a fonte. 

Outro detalhe: o aumento nominal da alíquota do ICMS – que passou de 18% para 20% – tem provocado a retração das vendas internas no estado do Ceará.  

“Isto significa dois pontos percentuais, mas na realidade o aumento efetivo da tributação é de 13,89%. Nossa alíquota efetiva, como é calculada por dentro, passou de 21,95% para 25%.  Na época de Tiradentes, a tributação era de 1/5 = 20%, agora é de 1/4 = 25%.”, salienta a fonte. 

Há mais a acrescentar, pois o Brasil tem a segunda maior taxa de juros do mundo – 15% ao ano (na economia real, esses juros chegam a 30% para boas empresas). Isto encarece as vendas a prazo, inviabilizando o crédito.  

“Estão prevendo a redução dos incentivos fiscais de ICMS a partir de 2029 em 10%; em 2030, de 20%; em 2031, de 30%; e em 2032, de 40%. Está legislado que, a partir de 2033, as empresas não terão mais incentivos fiscais. Então, surge a pergunta: Como vamos manter empresas no Estado do Ceará?” -- questiona a fonte. 

Por tudo o que está dito acima e pelo que será dito em seguida, “o planejamento para os próximos anos, tendo em vista o aumento da tributação, está levando as empresas a inibir o desenvolvimento de projetos de inovação e a minimizar as possibilidades de crescimento diante da falta de um mercado consumidor”.  

Como desgraça pouca é bobagem, a instabilidade política também compõe o cenário, com efeitos negativos na atividade econômica, “causando evasão de divisas, redução da oferta de emprego e redução da renda da maioria da população, resultando em queda do consumo interno”. 

E os jogos de azar, oficializados pelo Legislativo e sancionados pelo Executivo, “estão redirecionando os desembolsos de grande parte da população, em especial a de baixa renda, que fica sem alternativas para gastos com bens de consumo, incluindo os de moda”. 

Neste mês de novembro, a indústria calçadista do Ceará demitiu 600 pessoas e a tendência é de mais demissões.  

“A empresa âncora reduziu seus níveis de produção, o que, natural e automaticamente, tem reflexos na cadeia produtiva. Daqui a pouco, fornecedores locais serão atingidos, uma vez que terão de, também, adequar os preços dos seus produtos e serviços aos preços de venda, levando-as à redução do seu quadro de pessoal”, adverte a mesma fonte, que conclui suas opiniões nos seguintes termos: 

“A grande expectativa é saber até quando durará este deserto de vendas. Para constatar a situação atual não é necessário Irecorrer ao IBGE. Basta apenas circular pelas cidades, a começar por Fortaleza, para identificar a quantidade de locais com placas de ‘Aluga-se” ou ‘Vende-se’. Um exemplo marcante é a Avenida Monsenhor Tabosa, que já foi concentração de lojas da moda e hoje está totalmente desfigurada em comparação ao que foi.” 

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