O amor chega. E, se não chegar, a fé manda buscar. Foi esse o pensamento de Lorena Tavares quando, em 2008, retornou graduada de Campina Grande (PB). Havia concluído a faculdade de Jornalismo e voltava ao Cariri cearense para atuar na área. Entre as primeiras matérias como repórter, uma mudou tudo: a cobertura da Festa do Pau da Bandeira.
Milhares de pessoas desembarcando em Barbalha para treze dias de festejo. Gente de perto e de longe, terço na mão e esperança no rosto. A jornalista via tudo com curiosidade: queria registrar. E assim o fez. Dos preparativos às cerimônias, passando pelas simpatias, nada ficou indiferente. Lorena se envolvia e se deixava envolver. Estava entregue à tradição.
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Nunca havia tido namoro sério, a ponto de levá-la para o altar. Nunca surgiu pretendente à altura. Em Campina Grande mesmo, conheceu um rapaz e não foi muito além. Paciência. Mas aquele parecia ser o instante perfeito para não deixar escapar a vontade de compromisso e felicidade. Queria um chamego, um dengo, alguém para chamar de seu. Conseguiria?
Ao menos tentou. Na pintura da bandeira de Santo Antônio – feita de modo artesanal para depois ser erguida no mastro – pôs o nome no verso. Reza a lenda que o costume atrai marido. Seria bom. Também participou do dia do corte da árvore, o tal tronco carregado até a Igreja Matriz para receber bênção do padre. Arrancou uma lasquinha e colocou no bolso.
Pegou o kit das solteironas e até ganhou um Santo Antônio de bronze. Tirou dele o menino Jesus. Só o colocaria de novo quando arranjasse o amado. Por essas e outras, a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha é reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Totalmente nossa: tesouro cultural brasileiro.
Os festejos remontam ao fim do século XVIII e se relacionam à própria origem da cidade de Barbalha, com a construção de uma capela em devoção ao santo casamenteiro. Atualmente as celebrações duram 13 dias e têm como ponto alto o carregamento e hasteamento do Pau da Bandeira, sempre no domingo mais próximo do dia 31 de maio.
Essa tradição, por sua vez, começou em 1928. Trata-se do tronco de uma árvore previamente escolhida, simbolizando a promessa e devoção a Santo Antônio. Os carregadores formam uma espécie de irmandade e centenas de homens se revezam para levar o pau sobre os ombros por cerca de seis quilômetros, numa demonstração de força e fé.
Mas voltemos à Lorena. Terminados todos os passos – tal qual Deus Pai quando criou o universo – ela descansou. Fez o que tinha que fazer e não queria ficar obcecada por um esposo. Rezou ao santo, cumpriu cada passo e, agora, seguiria a vida. Nada de procurar agulha em palheiro, nem ficar afobada. O que tivesse que ser, seria.
Assim chegou 2009. Um ano se passou. Avanços no trabalho e oportunidades de reportagem surgiram, e Lorena agarrou todas. No campo afetivo, porém, tudo na mesma. Seguia amuada, solteira e sem dengo. Mas reviu alguém que há tempos não dava as caras. Era Robério, amigo do irmão dela. Robério que, desde 2003, frequentava as festinhas dali, da casa dos pais.
Estava diferente. Parecia mais bonito e havia terminado namoro. Frequentava os mesmos lugares e eventos que Lorena, a mesma programação. Coincidência ou não, não se sabe. Conversa dali, olhadela de lá, e o quase improvável aconteceu: Santo Antônio pareceu resgatar uma figura de passado tão distante para dar de presente à nossa protagonista.
Ela sente isso até hoje. Robério veio encomendado, só pode – e só soube que foi fruto de uma prece a Santo Antônio quando Lorena fez um ao vivo para o jornal Bom Dia Ceará. Preenche a listinha embalada em prece: é homem responsável, honesto, íntegro, desejoso de formar família, ter filhos e, sobretudo, gosta de ficar perto. Preocupa-se com a amada e adora ouvir o que ela tem a dizer ao fim do dia. É tudo muito importante.
A união perante o altar aconteceu no mesmo mês de junho, período em que o santo casamenteiro ativa algo bom no peito da gente. Transbordavam de alegria: não é que deu certo? A cerimônia foi no dia 28, porém, dia de São Pedro. E vários outros vinte e oito vieram para coroar que o amor chegou, a fé mandou buscar. E se multiplica toda hora.
O pequeno Luiz Bernardo, de oito anos, filho do casal, é prova concreta. Traz no semblante algo de muito certo: tudo é questão de propósito. Lorena acredita que Santo Antônio fez milagre porque o pedido foi feito com muito fervor. “Não disse apenas ‘quero um marido’. Na hora em que estava rezando, listei as características que queria na pessoa desejada”, conta.
“Acho que, quando as pessoas não encontram alguém após participar da Festa do Pau da Bandeira, é porque não rezaram direito. Mas, se fizerem certo, vem. Pedi com fé, deixei o santo trabalhar e fui viver minha vida normalmente. Aí, deu match”. Nos festejos deste ano, o trio estava lá de novo para enaltecer a beleza. Já é costume.
Nesses instantes, Lorena contempla Barbalha lotada e celebra no íntimo não apenas as conquistas na própria vida, mas o fato de ser aquele um evento genuinamente caririense. É história, memória e folclore. É credo, simpatia e cultura popular. Tudo misturado em prol do amor. “Recupera um pouco a esperança nas coisas boas e bonitas da vida”.
E brada: “Estou bastante feliz no relacionamento, foi a melhor coisa que Santo Antônio fez por mim. Casada há muito tempo, mas firme e forte”. Hoje refaz os passos ao contrário. Coloca de novo Jesus junto à imagem de bronze do santo. Guarda lasquinha da árvore carregada até à Igreja Matriz. Não pede mais por um amor, isso já tem. Quer tão somente que ele continue.
Esta é a história da jornalista Lorena Tavares e seu amor pelo marido, Robério Falcão; pelo filho, Luiz Bernardo; por Santo Antônio e pela Festa do Pau da Bandeira. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor