Percebi que era amor quando acolheu minha deficiência já na conversa por aplicativo

Ela tem 1,05m, ele mede 1,76m; os dois se encontraram e, apesar do mundo, insistem em ser felizes

Foto: Larissa Feitosa

O amor chega. O amor chega e recupera aquele frescor dos primeiros anos. É feito o aroma que perdura após uma chuva agradável. Chama-se petricor. Eu li e senti quando soube o que acalmava e atormentava. Desejo de estar junto, ansiedade para a próxima conversa, planejar igual. Viver também. Que existência mesquinha seria a do não compartir... Você percebe o mesmo? Já chegou o seu amor? É coisa de felicidade, de privilégio. Eu espero que você ame e seja amado.

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Digo isso porque conheci a Livinha e o João Paulo. A história deles começa como começam quase todos os relacionamentos de hoje: entre likes e comentários, stalkeadas e selfies. “Ela me paquerou”, diz ele. “Mentira”, ela retruca. Eis aqui a verdade: o gostar já estava. E se avanço no tempo dos dois agora é para te dizer que realmente deu tudo certo. A silhueta da dúvida trouxe o corpo inteiro da verdade. São dois sortudos. Encontraram a paz.

Livinha é empresária, palestrante e influenciadora. João Paulo segue o mesmo rastro, dando apoio à esposa e se especializando em áreas que contribuam com os projetos de ambos. Eles se olham, se tocam, se observam. Sentem aumentar o mundo quando dividem o mesmo espaço. Desde 2018 é assim. Três meses até oficializar o namoro. E, então, nove meses de casados após mais de dois anos trancafiados. A pandemia foi brutal, mas conciliadora.

Foto: Larissa Feitosa

“Não tivemos discussão, ficamos ainda mais unidos”. Vídeos com os dois interagindo povoaram as redes sociais, a fama de Livinha chegando cada vez mais longe – ela tem mais de 52 mil seguidores até o fechamento deste texto. O amor que chega também quer chegar a outras pessoas. Ainda hoje é assim. Quando deixo que o celular ocupe as mãos, ouço do outro lado da linha a voz em dupla, voz de estima, voz de casal. “Fala você, amor”.

Escutá-los semeia algum sonho escondido no peito. Bonito demais quando alguém diz: “Essa pessoa mudou a minha vida”. Livinha reuniu gente em torno de João Paulo, aumentou a cartela de amigos quase nula dele. Antes tímido e preso à rotina, hoje o marido não é apenas parte da família; parece ter vindo de um lugar secreto para facilitar o mundo. O pai dela diz que se, um dia, eles se separarem, João Paulo fica.

Livinha se tornou mais atenta aos sinais das pessoas, no quanto elas podem surpreender para melhor. Bastou o segundo encontro para JP ocupar o quarto e fazer diferente, demonstrar interesse e carinho pelo que ela é. Foi natural: abrir portas, chamar para ficar, oferecer o lar para que seja a única casa. Vestir o manto do querer e ir driblando as dificuldades. Quando o amor chega, chega também a coragem.

Foto: Thalyta Magalhães

Teve outra coisa tão importante quanto, fundamental até: João Paulo, já nas conversas por aplicativo, demonstrou atenção pela deficiência física dela. Sim, queria saber as músicas, os filmes e séries que ela gostava. Por qual time torcia, para onde gostava de ir, o que apreciava fazer. A espinha dorsal do universo que se abria ali ia muito além, contudo. “Você consegue andar direito? Posso empurrar sua cadeira de rodas?”.

“Nas minhas redes sociais e no aplicativo, tem foto minha de todas as maneiras – principalmente mostrando meu tamanho. Nunca escondi minha deficiência, sempre tive segurança. Então, se ele me quisesse, já tinha que ver como era a realidade. Foi então que a gente começou a conversar e fui percebendo que, sem saber, ele não estava sendo invasivo. Queria saber de tudo porque queria que as coisas evoluíssem entre a gente”.

A síndrome rara de Livinha é chamada displasia espondilometafisária com frouxidão ligamentar. Ela tem 1,05m; João Paulo mede 1,76m. Pontinha do pé de um lado e coluna envergada do outro. Todos os dias os dois vivem processos para que a vida seja mais vida – dos mais triviais aos mais complexos. Passos e ciclos. 

E, quando alguém pergunta quando o amor chegou, a resposta baila pela mente e reflete no olhar. Foi naqueles instantes em que, entre bits e bites, houve o acolhimento do que era essencial. Talvez houvesse chovido e ficado o aroma que perdura após a agradável torrente. Agora você sabe, chama-se petricor. Amor-petricor.

 

Esta é a história de amor de Livinha Vasconcelos e João Paulo Oliveira. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor