Mãe cearense inspira famílias de todo o mundo a acolher os filhos LGBT+ e lutar contra a homofobia

Natural de Caucaia e residente em São Paulo, Vanessa Amaral é idealizadora do perfil “Mãe que aceita”, cujo sonho é multiplicar o amor, o respeito e a liberdade de ser quem se é

Legenda: Vanessa Amaral ao meio, acompanhada da filha, Giulia (à direita), e da nora, Ingrid (à esquerda): respeito e amor
Foto: Arquivo pessoal

Sempre que pensa no amor, Vanessa Amaral recorre à família. A imagem é clara e limpa. Ela ao lado do marido, na sala de casa ou durante viagem, entre plantas ou diante do mar, acompanhada das três filhas. Não há peso ali, não há incômodo. Apenas cinco pessoas sorrindo para a foto porque, de fato, sorriem por dentro. Gostam da felicidade.

O laço sanguíneo talvez tenha ocupado parte tão vital na trajetória da cearense – natural de Caucaia e residente em São Paulo – porque mudou tudo nela. Sobretudo devido aos processos envolvendo Giulia, a filha do meio. Aos 16 anos, se assumiu lésbica. Respirou fundo e não permitiu o medo. Deixou a coragem correr solta. E, então, permitiu a liberdade total.

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A partir dali, Vanessa precisou olhar para si mesma. Encarar os fatos e voltar à própria infância, quando já sabia, no íntimo, que falar de amor era o maior desejo da vida. Só não sabia como fazer, mantinha guardada a chama. E permaneceu por longo tempo assim como forma de sobrevivência. Não foi fácil passar por tanta coisa.

O primeiro casamento, por exemplo, aconteceu à beira dos 20. A separação aos 24, com duas pequenas nos braços. Discriminação, solidão e isolamento viraram rotina indigesta, realidade para não lembrar. Mas ela lembra, e é capaz de mais: dar giro completo e seguir em busca do que faz bem. Novo marido, nova filha. Tudo o que viria depois, curvas retas e até ladeiras.

Legenda: Vanessa ao lado das três filhas, Giovanna, Giulia e Carola
Foto: Arquivo pessoal

A profissão foi outro divisor. Advogada por vocação, especialista em família, Vanessa sempre mediou conflitos de forma muito leve. Impressionava a si mesma o talento. Tanto é que, após o falecimento da mãe, em 2013, valeu-se da habilidade para se achegar ainda mais aos próprios pares e se dedicar por completo a eles. Cada sussurro e inquietação. Cada gesto.

Giulia porventura sentiu essa abertura e decidiu contar o que rasgava o peito. A mãe tratou de agir também. “Ao invés de pirar ao saber que ela era lésbica, fui fazer terapia, buscar evolução por meio de minhas crenças. Sou católica, então fui lutar por compreensão dentro do que eu tinha. O que importava era ficar ao lado da Giulia. Com ela, construí uma relação de mãe e filha pautada não só no amor, mas no respeito, na proximidade”. Confidentes. 

Gente que vê o que o outro é de verdade. Para Vanessa, Giulia é mulherão. Linda, maravilhosa, competente, formada, pós-graduada. Quem desde cedo demonstrou vocação para a simplicidade, a leveza e a alegria. Casada também. Conheceu Ingrid no meio de algum percurso bonito e quis se unir a ela. Enlaçaram-se oficialmente em 2021.

Na cerimônia, Vanessa – tomada pelo privilégio de receber mais uma pessoa no lar, alguém esperada e do bem – escreveu texto capaz de preencher as redes sociais de beleza. De cuidado e carinho. “E quando você surgiu na vida dela e nas nossas vidas, eu sabia. Sabia que era chegada a minha hora. A hora de pôr de lado todos os meus antigos conceitos e a me deixar levar pelo amor e a também a amar muito”.

Foi o suficiente para que milhões e milhões de pessoas no mundo todo enxergassem fresta de esperança para seguir lutando contra a homofobia. Instalar nas casas a compreensão, a escuta, o diálogo. A carta, direcionada à Ingrid porque o pai sequer compareceu ao casamento, foi na verdade escrita para o povo, a massa, a sociedade. Ninguém merece passar por essa vida e não receber e conceder amor. Assim nasceu o “Mãe que aceita”.

Foto: Arquivo pessoal

O perfil administrado por Vanessa e equipe nas redes sociais alcança milhares de seguidores todos os dias com aquilo que podemos chamar de “velas ao mar”. Grandes bandeiras levantadas em meio ao oceano de cliques, imagens e curtidas para que mensagens de aconchego cheguem longe, alcancem tudo. O retorno tem sido mais do que positivo.

Triste por um lado, é também redentor ter contato com relatos tão profundos sobre realidades tão difíceis e prover qualquer coisa de amparo. Vanessa deixa bem claro para pais, mães e filhos: não é psicóloga, não consegue acessar determinados territórios. Mas é mãe. E, feito mãe, estica o coração para que sempre caiba mais um. Mais uma dor, mais uma melancolia, mais uma opressão. E também mais uma liberdade, mais uma possibilidade, mais uma cura. 

Caminhando entre dois extremos, está uma mulher que entende a chance de ser enorme e potencializar a grandiosidade de sentir. “A gente abre essa discussão sobre o amor. Nossa luta sempre foi por ter uma família unida que não é careta. Unida, mas cheia de desafios, lutando não pela cisão ou pela separação, mas pela comunhão”.

Compreender as crianças feridas dentro de adultos e trabalhar para que, com ela, evoluam. É o que explica as tantas viagens que faz, os tantos projetos que participa. Vanessa desabrocha diariamente para o colorido das relações, e nunca mais quer se fechar.

“A gente não vai conseguir chegar em lugares como o do amor, da compreensão, do afeto, da aceitação, do entendimento e do apoio, se a gente não estiver bem. Se não nos libertarmos daquilo que não é nosso. Muitas vezes já fui presa a conceitos que não eram meus. Hoje, não. E isso faz toda a diferença. Poderia ter continuado no mesmo caminho, mas preferi não caber em caixinhas”. Caber agora só se for no que ainda deseja realizar, algo que a ultrapassa.

Um país mais inclusivo. Um chão em que ninguém morra por expressar o próprio eu. Uma nação que invista em políticas públicas para florescer dignidade. Um planeta em que, mesmo em espaços feito a igreja, tremule a bandeira da diversidade.

Foto: Arquivo pessoal

É quando aquela menina que desejava falar sobre o amor falará mais ainda. Olhará para o porta-retratos e verá Anderson, marido querido; Giovanna, Giulia e Carola, filhas adoradas; Rodrigo, Ingrid e Christian, genros e nora aguardados. Entre eles, haverá a história de outros tantos para viver e contar, outras famílias. O que é pra ser tem muita força. Tudo culminará na doçura. Na revolução pelo afeto.

“Família e amor se encontram na possibilidade de ter pessoas ao redor que te entendam, capazes de doar um rim por ti. Que largam tudo para fazer alguma coisa por você no meio da madrugada. Pra te ouvir, te atender, te ajudar quando você precisa. Para não falar mal de ti nunca. Nunca. Para estar sempre ao teu lado”. Velas ao mar, fluindo para o melhor da vida.

 

Esta é a história de amor de Vanessa Amaral pela família, pela diversidade e pelas possibilidades de amar. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor


*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor