Capela na beira da estrada de Pacoti foi construída como prova de amor eterno

A história de Ananias e Donaninha deu origem ao templo que chama atenção de quem visita a região serrana cearense

Legenda: Fachada da Igreja Jesus Crucificado, também conhecida como Capelinha do Arvoredo ou Capelinha de Donaninha: um monumento ao amor
Foto: Acervo Ananias Arruda

É uma capelinha estreita e solitária na estrada de Pacoti à Guaramiranga, região serrana do Ceará. Cercada de verde, parece abandonada. O branco desbotado evoca lendas noturnas, narrativas de fantasmas e assombrações. Mas a história do templo é, na verdade, de amor. Do enlace imortal entre Ananias Arruda e Ana Custódio dos Santos Arruda. 

Encontraram-se porque sortudos. Ananias nasceu em 1886 e era de Santo Antônio do Aracatiaçu, distrito de Sobral. Chegou miúdo a Baturité, cinco anos de idade. Estudou as primeiras letras com professoras particulares e concluiu o curso de Humanidades em Guaramiranga. Trilhou caminho exitoso no trabalho e na vida.

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Ana Custódio – codinome Donaninha – passou as férias de julho de 1911 em Baturité na companhia do tio, vigário Monsenhor Manoel Cândido dos Santos. Desobrigada, calhou de um dia visitar a casa paroquial e observar um rapaz de bigode espesso e traços angulosos. Apaixonou-se. Dois meses depois, sob a bênção de familiares, trocaram juras de amor eterno.

O matrimônio foi oficializado pelo próprio tio de Donaninha na Matriz de Baturité. Suspiravam perante o altar: ele, jovem fervoroso, valoroso e promissor, de 25 anos; ela, bela, meiga e piedosa adolescente, de 16. Ainda não sabiam que passariam três décadas juntos, fazendo do convívio uma linguagem. Ainda não sabiam também do infortúnio.

Legenda: Ananias e Donaninha casaram dois meses após se conhecerem, tamanha a paixão
Foto: Acervo Ananias Arruda

Porque Donaninha foi vítima de morte súbita – provável rotura de aneurisma cerebral – durante um passeio domingueiro. Caminhava ao lado da filha, Rocivalda, e de algumas senhoras que, feito elas, estavam hospedadas no Patronato Imaculada Conceição, em Pacoti. Tinha 45 anos. Foi um golpe duro. Ananias não acreditou. 

Só a fé retemperou as forças e permitiu que ele continuasse a jornada terrena. Hoje, é a sobrinha-neta de ambos quem conta e revive os fatos. Médica e historiadora, Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg representa o filão de familiares e amigos do casal. São muitos, espalhados por várias partes do Brasil, ligados pelo sangue a Pacoti e ao que lá está.

Uma capelinha – a mesma descrita no início deste texto. Trata-se da Igreja de Jesus Crucificado, erguida como são todas as grandes provas de amor da História. O Taj Mahal, por exemplo, talvez o mais famoso templo do mundo dessa natureza, foi edificado entre 1632 e 1653, em Agra, na Índia, pelo imperador Shah Jahan. Nasceu como homenagem à mulher preferida, Mumtaz Mahal, que morreu ao dar à luz ao 14º filho.

Legenda: Ananias pede a todos os que visitam a Igreja uma prece a Deus pela maior glorificação no Céu de sua querida e inesquecível consorte Donaninha Santos Arruda
Foto: Acervo Ananias Arruda

Entre Ananias e Donaninha, ficou a Jesus Crucificado, também conhecida como Capelinha do Arvoredo ou Capelinha de Donaninha, pensada e construída pelo próprio viúvo. Estrutura apaixonada. Há ainda outra pequena igreja para honrar a esposa, esta localizada em Saboeiro, na própria casa onde a amada nasceu.

“A história de Ananias e Donaninha é fonte de inspiração e exemplo de vida. Ananias não só erigiu uma ‘capela-cenotáfio’ para sua Donaninha, mas manteve-se fiel à memória dela até o último dia de vida, em 26 de janeiro de 1980, com quase 94 anos, quando partiu ao encontro de sua amada.”, diz Ana Margarida, cujo primeiro nome foi herdado da tia-avó. “Como historiadora, tenho o dever de preservar a trajetória desse casal e de Baturité para as gerações futuras”.

Legenda: Ananias não só erigiu uma ‘capela-cenotáfio’ para sua Donaninha, mas manteve-se fiel à memória dela até o último dia de vida, em 26 de janeiro de 1980, com quase 94 anos
Foto: Acervo Ananias Arruda

O Museu Comendador Ananias Arruda é parte dessa missão. Ocupa a Avenida 7 de Setembro, 1097, em Baturité, e pode ser visitado de terça a domingo. Encarna, com doçura, o sentimento dos dois. Fotografias, instrumentos, documentos e memórias engalfinham-se diante de olhos curiosos. É como se tivéssemos o casal em mãos.

Na inauguração da Igreja de Jesus Crucificado por Dom Antônio Lustosa, que também a benzeu, a impressão foi a mesma. O evento aconteceu no primeiro aniversário de falecimento de Donaninha, em 1942. Familiares, Secretários de Estado, religiosos, imprensa e grande massa popular compareceram, havendo pregação preparatória de três dias, missas e inúmeras comunhões. Ananias era homem influente, o que justificava a adesão.

Legenda: Ananias e Donaninha Arruda: amor inscrito na História
Foto: Acervo Ananias Arruda

Vieram sete caminhões, um ônibus e um automóvel de Baturité, centenas de pessoas apinhadas fora da pequena capela. Atualmente, o Museu CAA a preserva. A estrutura – tombada pelo Patrimônio Público de Pacoti – foi reinaugurada em maio de 2022, com as imagens sacras da residência do Comendador e as imagens do próprio templo. Tudo foi restaurado por iniciativa do historiador Levi Jucá.

“Não sou devota católica, como Ananias e Donaninha, mas a família tem incontáveis pessoas assim, incluindo padre e freira, sobrinhos do Comendador. Por outro lado, trago comigo a força do amor de Ananias por Donaninha. O amor por meu falecido marido, que persiste até hoje, me fez escrever o livro ‘Confissões de Amor – Margô e Rose’”, conta Ana Margarida.

Legenda: Agora você sabe: naquela estrada entre municípios, há uma história de amor incrustada no concreto
Foto: Mari Reis

A obra é recheada de fotos, cartas e poemas de amor trocadas por ela e o esposo em vida. Não à toa, sentencia: “Acho que meu amor por Rosemberg é tão forte quanto o de tio Ananias por tia Naninha”. Faz sentido. Está encravado na História e na paisagem. 

Se reparar, há um silêncio sereno no templo envolto por túnel de bambus. Não há o que temer. Agora você sabe: naquela estrada entre municípios, há uma história de amor incrustada no concreto. É o monumento de Ananias, Donaninha e de todos os que admitem a eternidade.


Esta é a história de amor de Ananias e Donaninha Arruda e da Igreja de  Jesus Crucificado, em Pacoti (CE). Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor