75 anos de casados, 80 anos juntos: o tempo é amoroso com quem persiste e quer bem ao outro

De Orós para Fortaleza, entre paisagens e personagens, a união de José Bezerra e Zuleide Góes tem sempre risada, cheirinho no rosto e gosto de eternidade

Foto: Arquivo pessoal

José Bezerra toma dois banhos por dia, cuida das plantas e alimenta os pássaros. Zuleide não dispensa foto nem música. Remexe a cintura, junta as palmas das mãos em alegria. Não parece ter fórmula mágica, mas existe uma magia aí. Faz 80 anos que esse encanto permanece entre os dois. E tem sempre um cheirinho, um silêncio, uma brincadeira.

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Ninguém duela com o tempo. O casal aprendeu a chamá-lo para a dança. Tantas décadas na mesma trincheira ensinaram que viver junto é desafio grande, mas, quando se consegue sintonia, o resto vem. É como redescobrem a si todos os dias. Ele, 93 anos; ela, 92. Se olhar bem, sob as rugas e o cabelinho ralo, ainda são os dois adolescentes apaixonados de Orós.

 Foi nesse município do interior cearense – longe 283 quilômetros de Fortaleza – que se conheceram. Crianças ainda, 12 e 13 recém-completos. Era assim antigamente, você deve saber. Namorava-se cedo para casar cedo. Seguiram a cartilha. Após cinco anos de engraçamento, uniram os pares de sapato e as escovas de dente. Viraram um só.

Legenda: O casal no açude de Orós, cidade natal de Zuleide e onde viveram por mais de 60 anos até chegar em Fortaleza
Foto: Arquivo pessoal

José Bezerra, autônomo inquieto, trabalhou de farmácia a táxi. Queria crescer, prover sustento. Zuleide cuidava da casa e era professora da rede estadual. Mesmo compasso que o marido. Pouco a pouco, no alicerce da própria Jerusalém, foram esticando a vida. Vieram quatro filhas. E, com elas, nove netos e 13 bisnetos. Fartura, coisa que não se negocia.

Agora estão ali, em uma casa bonita no Centro da Capital, sem dizer às horas que elas passam. Às vezes nem parece. Outro dia, a filha mais velha, Joseleide, adiantou ao pai informação importante: “Vocês estão perto de completar 75 anos de casados”. José Bezerra, muito espantado, soltou: “Mas passou muito rápido, não tem quem diga que é isso tudo”.

Legenda: As quatro filhas do casal: amor multiplicado em 9 netos e 13 bisnetos
Foto: Arquivo pessoal

Riram, como são belos todos os risos – mesmo quando é difícil achar espaço para a felicidade. É que Zuleide já tem meia década que vive em cima de uma cama hospitalar, instalada num dos quartos da residência. Consequência indesejada de um Acidente Vascular Cerebral, esses acontecimentos estranhos da travessia. Só não é de se estranhar o carinho.

Porque José Bezerra teimou em continuar no quarto, mesmo quando a cama de casal não era mais prioridade no cômodo. Três meses assim, pura resistência. Impossível se separar de Zuleide – ainda mais no turno precioso pros dois. Mas foi cedendo, e aceitou. Até hoje, porém, vez ou outra é convocado por ela para trocar um afago. E ele vai, serelepe.

Foto: Arquivo pessoal

Aprendeu a gostar de ficar mais em casa pra não dar solidão à companheira. Até sai para outros lugares, mas de minuto a minuto comenta estar com saudade. No último 6 de novembro, vestiu paletó e a enxergou de vestido branquinho. Casaram-se de novo. A vela marcava 75 anos. Bodas de brilhante. Tem gente que escreve o impossível. 

“Meu velho, venha aqui pra eu lhe dar um cheiro. Deite aqui comigo”, Zuleide solta de um lado. Ele, do outro, aproxima apenas a narina. “Se eu deitar com você aí, a cama vai quebrar, minha véa, e a gente vai pro hospital”. E riem de novo. Será esse o segredo da longevidade conjugal, desse pedaço de existência que a gente carrega no mundo? Apesar de tudo, rir.

Foto: Arquivo pessoal

E talvez lembrar que um dia foi muito bom encostar o pé no pé do outro até adormecer na rede. Preparar artes em biscuit em homenagem à formatura dos netos, vê-los maiores em altura e graça. Tirar do forno o bolo, tirar do bolso uma surpresa. Encher a casa de fotografias e repassar à prole o gosto por multiplicar. Nunca deixar de bailar.

Entre José Bezerra e Zuleide não tem fórmula mágica. E, se houvesse, ela estava no indefinido, no imprevisível, na curva. Não dá para prever o mundo. A gente só pode tratar de experimentá-lo. Tomar dois banhos por dia, cuidar das plantas, alimentar os pássaros. Remexer a cintura, juntar as palmas das mãos, em prece ou alegria. Ocupar-se do amor.

 

Esta é a história de José Bezerra e Zuleide Góes, casal que, neste 2023, completou 75 anos de casados e 80 anos de união. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.


* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor



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