Quando o reconhecimento se torna um fardo?

Escrito por
Delania Santos ds@delaniasantos.com
Legenda: O reconhecimento reflete o valor que entregamos, mas não deve ditar quem somos nem o quanto valemos.
Foto: Shutterstock

Ser reconhecido é o desejo de muitos profissionais, mas, uma vez que são reconhecidos, seja com uma promoção, um ajuste salarial ou um feedback apreciativo, o que isso de fato representa emocionalmente e profissionalmente?

Conheço pessoas que mergulharam em um ciclo vicioso para ‘mostrar sempre mais’, como se o reconhecimento devesse ser validado ou a posição mantida. Como, então, manter o equilíbrio?

O dilema de Sofia

Sofia foi promovida depois de anos de dedicação. A notícia veio acompanhada de aplausos, mensagens carinhosas e uma sensação de dever cumprido. Mas, passado o encanto inicial, ela começou a sentir algo inesperado: medo.

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Medo de não corresponder, de não sustentar a imagem que os outros agora tinham dela, de não ser “tão boa” quanto pareciam acreditar. Aos poucos, o reconhecimento que deveria fortalecer sua confiança passou a ser uma pressão silenciosa.

Ela se via revisando e-mails três vezes antes de enviar, levando trabalho para casa e evitando delegar, receosa de que qualquer deslize colocasse em xeque o mérito da sua conquista.

No fundo, Sofia não queria apenas ser reconhecida: queria provar que mereceu o reconhecimento. E foi aí que a armadilha se instalou. Quando a entrega será suficiente. Quando o reconhecimento se torna a principal fonte de validação, o profissional corre o risco de perder o vínculo com o propósito e o prazer de fazer o que faz.

O desempenho passa a ser movido mais pela expectativa externa do que pela coerência interna, e quando o momento tão esperado chega, não há brilho, alegria ou celebração. Afinal, inevitavelmente, a corrida desenfreada cobra um preço difícil de pagar: desgaste, insegurança e desconexão. Vale a pena perseguir algo de que nunca poderemos realmente desfrutar?

Essa talvez seja a pergunta mais incômoda e, ao mesmo tempo, mais libertadora que um profissional pode se fazer. Quando a busca por reconhecimento se sobrepõe ao prazer de exercer o próprio talento, a jornada deixa de ser fonte de realização e passa a ser um campo de provas interminável.

O problema não está em querer ser valorizado, mas em perder o sentido do que nos move. Sofia percebeu isso quando, exausta, entendeu que sua maior entrega já não vinha do entusiasmo, mas do medo de decepcionar.

Foi nesse momento que ela começou a redefinir o que significava “ser reconhecida”: não como um prêmio concedido, mas como um estado de coerência, quando o que fazemos está alinhado ao que acreditamos.

Qual o limite do saudável?

O reconhecimento reflete o valor que entregamos, mas não deve ditar quem somos nem o quanto valemos. É imprescindível entendermos que ser bons no que fazemos é suficiente, mesmo sem aplausos ou tapinhas nas costas.

Essa convicção parte de um propósito claro e da autoconsciência de quem somos, porque, quando a validação vem de dentro, o sucesso deixa de ser um palco e passa a ser um caminho mais leve, mais autêntico e, paradoxalmente, mais visível.

Algumas práticas são importantes para que a busca pelo reconhecimento seja saudável e para que esse momento seja celebrado:

  • Reflita sobre seu comportamento no trabalho: mudou após o feedback positivo ou a promoção? Por que essa mudança ocorreu? Ela é realmente necessária? O que você deseja demonstrar ou provar ao agir assim? Essa autoavaliação pode revelar insights valiosos e ajudar a identificar possíveis exageros em suas atitudes.
     
  • Entenda o porquê: por que você faz o que faz? Que legado deseja entregar? Essas perguntas nos ajudam a focar no que realmente importa, trazem à tona o motivo das nossas escolhas de carreira e nos reconectam com nossos desejos mais profundos.
     
  • Liste as principais conquistas dos últimos cinco anos: quando estamos no piloto automático, deixamos de reconhecer o que já realizamos e a importância de cada um desses momentos. Quando você reformou a sua cozinha, comprou o primeiro carro zero km ou matriculou seus filhos naquele colégio que sempre desejou, cada marco fala sobre o que você fez para conquistar e o que proporcionou a você e aos que você ama.
     
  • Trace suas próprias metas: a empresa nos dá metas a cumprir; entretanto, são as suas metas que devem fazer sentido, para que as da empresa não se tornem um fardo. O que você deseja conquistar por meio do seu trabalho? Viajar? Comprar sua casa? Pagar a faculdade?
     
  • Crie rituais de celebração: comemore o caminho percorrido, não apenas o resultado. Pequenas pausas de reconhecimento fortalecem a motivação e o bem-estar. Eu tenho alguns rituais com a minha família e isso, além de me dar mais motivação, inclui quem amo no alcance da meta. Quando fecho um contrato, agradeço a Deus e agendo um jantar com a família.
     
  • Seja grato: não mire somente no que deseja conquistar; reconheça o que já tem. Isso amplia a percepção de valor e reduz a necessidade de validação externa.
     
  • Viva o presente: o reconhecimento é um instante, mas a vida acontece agora. Esteja inteiro no processo, não apenas na espera pelo aplauso. Olhe ao redor e veja que há beleza em estarmos vivos, respirando, podendo contemplar vários milagres do cotidiano.

Para equilibrar a busca pelo reconhecimento com o que já temos, é importante abraçarmos a vida e nos reconectarmos com o que nos dá sentido.

Nesta coluna, trarei reflexões sobre carreira, liderança, coaching e tendências que impactam o mundo do trabalho. Sua participação é muito bem-vinda! Comente, envie sua pergunta ou fale comigo pelo Instagram: @delaniasantosds. Aproveite para se inscrever no canal do YouTube: @delaniasantosds. Será um prazer ter você comigo nessa jornada. Até a próxima!

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