Quando a corda estica: os riscos de uma sucessão mal alinhada
Você trabalha com seus pais e discorda da forma como eles conduzem o negócio? Ou você, pai ou mãe, sente que o diálogo com os seus filhos tem se tornado mais difícil a cada dia e que isso tem prejudicado os projetos da empresa?
Essa situação é muito comum em empresas familiares, especialmente quando os filhos já ocupam cargos de gestão, o que pode comprometer uma sucessão bem-sucedida. O que é importante considerar?
Gosto de imaginar essa questão de forma lúdica. Pense em duas pessoas segurando uma corda. De um lado, os herdeiros; do outro, os fundadores. A corda representa a empresa. Se um dos lados puxa com força desproporcional, o outro lado cede e a corda sofre com esse movimento brusco.
Assim também é com os negócios familiares. Mudanças drásticas, que ignoram elementos importantes da cultura organizacional, acabam descaracterizando a empresa no mercado.
Em muitos casos, provocam rupturas difíceis de reparar: pessoas-chave perdem a identificação e saem, novos processos comprometem a experiência dos clientes e, mais grave ainda, as relações familiares se desgastam a ponto de não se recuperarem. Agora, imagine um segundo cenário: ambos os lados aplicam força igual e a corda permanece parada.
Os projetos estratégicos não avançam, reuniões se tornam intermináveis, colaboradores se sentem sobrecarregados diante de tantos retrabalhos e planos de ação que não se concretizam.
A empresa transmite uma falsa aparência de produtividade, mas pouco ou nada realmente estratégico acontece.
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Dentro da família, formam-se subgrupos, cada um apoiando um lado, e os encontros familiares, que deveriam fortalecer vínculos, se tornam cada vez mais superficiais. Por fim, pense no terceiro cenário: ambos os lados exercem força desproporcional à resistência da corda. Ela se rompe.
Com ela, quebram-se uma marca, os laços familiares e o sustento de várias famílias, inclusive da família fundadora. O impacto desse cenário é devastador.
Em processos de mentoria executiva com foco em sucessão, é comum atender pais e filhos juntos. Nesses atendimentos, é recorrente a confusão de papéis, e esse desalinhamento, normalmente, é o gatilho para os três cenários acima.
Ser herdeiro é diferente de já ser o dono. Herdar é uma “promessa”; ser o dono é um “fato”. Compreender essa diferença é fundamental para que os relacionamentos entre sucessores e sucedidos sejam mais saudáveis, as decisões mais assertivas e as discussões estratégicas mais produtivas.
Essa consciência não apenas contribui para a continuidade do negócio, como também preserva a saúde das relações familiares.
O herdeiro nasce com o direito de acesso ao patrimônio; já o dono fundou o negócio e construiu autoridade para liderá-lo. O primeiro carrega o nome e a história; o segundo carrega a responsabilidade pelos resultados. Enquanto o herdeiro pode até ter um lugar na estrutura, o dono justifica diariamente o motivo pelo qual ocupa o espaço de decisão.
E é exatamente por isso que o herdeiro que já atua dentro da empresa precisa ter consciência do lugar que ocupa e, além de estar presente nas decisões, estar pronto para liderá-las. Contribuir com ideias e evitar impor mudanças.
Ter visão de futuro sem desautorizar ou desrespeitar o caminho trilhado até o momento. Afinal, o desejo de renovar é legítimo, mas a forma como se faz isso define se o processo será de transição ou de ruptura.
Que cuidados o herdeiro precisa ter para atuar bem dentro do negócio?
Ter vontade de modernizar o negócio é natural para um herdeiro; entretanto, alguns cuidados são importantes para que a cultura construída ao longo dos anos não seja descartada e o passado seja integrado ao futuro.
Ronald Heifetz, autoridade em Liderança Adaptativa, destaca a importância de diferenciar dois tipos de desafios enfrentados por líderes: técnicos e adaptativos. Essa distinção é fundamental na dinâmica de uma empresa familiar, que mistura laços afetivos com interesses empresariais.
Desafios técnicos são problemas que têm solução conhecida e podem ser resolvidos com conhecimento especializado, processos ou ajustes operacionais. Desafios adaptativos são questões que não se resolvem com uma resposta pronta.
Exigem mudança de mentalidade, valores, hábitos ou relacionamentos, algo muito comum e delicado em empresas familiares. Muitos líderes tentam resolver desafios adaptativos com soluções técnicas e falham.
Por isso, o ensinamento acima é tão importante: primeiro é preciso saber que tipo de desafio se está enfrentando. Só assim será possível adotar a abordagem correta e promover mudanças sustentáveis no negócio.
Abaixo, elenco outros cuidados não menos importantes:
Postura diante da equipe: os conflitos que envolvem pais e herdeiros normalmente são percebidos pela equipe. Proteger a imagem da família dentro do negócio é de suma importância para evitar um clima de insegurança nas pessoas. É muito delicado para o colaborador assistir a conflitos familiares dentro do ambiente corporativo.
Relação com o processo decisório: decidir sem imposição e com escuta ativa favorece a construção de consensos, fortalece a governança e garante que as escolhas estratégicas reflitam tanto a continuidade quanto a inovação. O herdeiro que deseja se posicionar como futuro líder deve aprender a influenciar decisões, não apenas a questioná-las.
Compreensão do tempo: a sucessão não é um troféu passado de uma mão para outra, mas um processo de construção conjunta que demanda alinhamento, estratégia, preparação e tempo.
Empresas familiares são organismos vivos, movidos por afeto, história e propósito. E a sucessão, quando bem conduzida, pode ser uma das fases mais ricas desse ciclo. Que os herdeiros tenham sabedoria para honrar o passado sem se aprisionar a ele e que os fundadores tenham generosidade para abrir espaço para o novo.
No centro dessa transição, o diálogo respeitoso e a escuta ativa são os principais ativos, porque mais do que garantir a continuidade do negócio, uma sucessão bem-sucedida preserva o que há de mais valioso: a família.
Nesta coluna, trarei reflexões sobre carreira, liderança, coaching e tendências que impactam o mundo do trabalho. Sua participação é muito bem-vinda! Deixe sua pergunta, comente este post ou envie uma mensagem pelo Instagram: @delaniasantosds. Aproveite para se inscrever no canal do YouTube: @delaniasantosds. Será um prazer ter você comigo nessa jornada. Até a próxima!