Por que tanto dói te ver partir, Marília?

Um país que, feito espelho, vê-se amiudar-se frente ao quanto a vida pode ser breve, inesperada. Inacreditável. Dolorida.

Legenda: A tantos quantos amaram ou sofreram profunda e intensamente, nos últimos anos, Marília Mendonça conseguiu chegar de alguma forma, entoando voz de poder, que nos afundou e nos resgatou
Foto: Reprodução Facebook
 Eu estava imersa num engarrafamento quando soube do acidente de Marília Mendonça. Primeiro, alívio. “Está tudo bem com todos”, eram as primeiras informações. Minutos depois, o estômago revira-se, o coração meio que salta, e o semáforo vermelho, turvo, postou-se feito tela de cinema a confundir a vida real dentro de mim. 
 
Meu sentimentos precisavam verbalizar-se, ali mesmo, ainda que apenas para mim, sozinha dentro do carro. Então, eu comecei a conversar comigo. Com a mente embaralhada, eu procurava palavras para descrever o que sentia, imaginava, esperava. Não encontrava. Além de confusa, estava mais que chocada e mais que perplexa. Fiquei realmente consternada. Tanto que empreendi um diálogo em voz alta comigo mesma:
 
⁃ Meu Deus, como fazer para suportar o tamanho das dores de tantos que, de tão imensas e intensas, nos alcançam, arrancando-nos lágrimas? 
⁃ Respira fundo. Acalma-te corpo, coração e mente - também disse-me, porque foi preciso.
 
Não conheci a Marília Mendonça pessoalmente, nunca fui a um show, mas no seio de uma família que canta, dança e toca, como é a minha, a Marília, desde 2017, é nome forte e voz potente nas playlists do karaokê e das rodas de violão. Dentro do carro e também na solidão dos nossos dias em que os nós da garganta precisam desfazer-se a qualquer custo. 
 

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Embora nunca a tenha conhecido, Marília sempre esteve no meio de nós. E é por isso, talvez, que tanto dói vê-la partir, assim, tão cedo, tão forte. Levando a voz que nos arrebatou, nos calou, nos fez transbordar quando tantas vezes não conseguimos verbalizar nossas emoções, revoltas, sentimentos. Sensações… Cheguei a deparar-me com palavras de Marília ao longo da noite para traduzir o quanto estava perplexa com a sua partida. 
 
A tantos quantos amaram ou sofreram intensa e profundamente, nesses últimos anos, seja em relacionamentos amorosos, familiares; desequilíbrios profissionais, na saúde; inconstâncias sociais e tantas outras latências da vida, a Marília conseguiu chegar de alguma forma, entoando uma voz de poder, que nos afundou e nos resgatou em instantes infinitos e libertadores. 
 
Marília Mendonça em show
Legenda: Quando pensamos em Marília, listamos a imensidão sem tamanho que nos acompanha ao longo da vida, em forma de gente, amor, dor, exaustão, desesperança, alívio e libertação
Foto: Reprodução Facebook
 
É também por isso que dói em tantos. Parte uma mulher, uma cantora, uma filha, uma mãe. Parente e amiga. Partem-se corações numa medida imensurável. Uma família inteira que vê e sente nascer um buraco em seu seio. Um país que, feito espelho, vê-se amiudar-se frente ao quanto a vida pode ser breve, inesperada. Inacreditável. Dolorida. 
 
Sim, continuo a dizer: é por isso que dói. Porque quando pensamos em Marília, listamos a imensidão sem tamanho que nos acompanha ao longo da vida, em forma de gente, amor, dor, exaustão, desesperança, alívio e libertação.
 
Dói porque revira em nós não apenas quem somos, mas quem fomos, quem esteve entre nós e tudo que ainda seremos. Muito queremos. 
 
Não fosse a música e a intensidade das nossas vozes uníssonas a entoar o que dói e o que alivia, não conseguiríamos seguir os próximos passos, inclusive aqueles os quais sabemos que precisamos superar.... Porque a música que cantamos perdura impregnada na memória de nossa pele, pulsando palavras e sentimentos em tudo que somos. E é por isso que dói, porque muitas das sensações cantadas por Marília persistem em voz, em vida, em canção. Permanecem porque são nossas marcas.
 
Marília está entre nós...