O 7 de setembro que brochou na rentrée

Legenda: Brasil celebrou no último dia 7 de setembro os 200 anos da independência
Foto: Thiago Gadelha

O verão europeu acabou. Astronomicamente falando, a mudança de estação só acontece no equinócio de outono, no próximo dia 23. Mas socialmente, a primeira semana útil de setembro marca a rentrée e a retomada da vida pós-férias.

Rentrée, do francês, é um reinício, reabertura, retomada, um recomeço para vários contextos. Em julho e agosto, no auge do verão, a Europa tira férias. Tudo para. Quem dá o tom do dia-a-dia por aqui nesse período é o sol - e o calor.

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É um hábito que causa estranheza. Como moradora de uma cidade europeia, era espantoso, logo que cheguei, me deparar com plaquinhas de “saímos de férias, voltamos em…” coladas na porta de restaurantes e lojas. Também era incompreensível ver pessoas comprando agendas para começar um novo ano a partir de setembro.

Como jornalista, era inacreditável acompanhar as coberturas em todos os veículos com as agendas de férias dos políticos. Saber a praia para a qual vai viajar o primeiro-ministro, ou ver o presidente da República dando entrevista de calção na areia depois de um mergulho no mar, tentar contactar assessores de órgãos públicos e não ter resposta… A gente se acostuma a esse ritmo, mas não deixa de estranhar.

Essa semana, com a rentrée, tivemos a definição da conservadora Liz Truss como nova primeira-ministra do Reino Unido. Em Portugal, o governo anunciou auxílio financeiro para famílias lidarem com as dificuldades causadas pela inflação e perda do poder de compra. O Banco Central Europeu está prestes a anunciar nova subida de juros. O secretário de Estado norte-americano visitou a Ucrânia de surpresa (aqui vale ressaltar, a guerra não tirou férias).

Quem também aconteceu durante a rentrée foi a brochante (ou broxante?) celebração dos 200 anos da independência do Brasil. Nos jornais europeus, destaque para a massiva ação de campanha do presidente Jair Bolsonaro na praia de Copacabana.

Em Portugal, não se esperava muito. Da bizarrice de se pedir o coração de D. Pedro emprestado, ao “desconvite” de Jair Bolsonaro para um almoço com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em julho, acho que por aqui havia apenas curiosidade para ver o que aconteceria no 7 de setembro.

De repercussão, só lamentos. O coração de D. Pedro foi melhor recebido do que Marcelo Rebelo de Sousa, apontou uma jornalista da SIC, canal de tv. De fato, o presidente português acabou no meio da patética cena com o dono da Havan na tribuna de honra em Brasília.

No mais, o Brasil não teve a celebração de 200 anos de independência que merecia. Não houve uma palavra sobre o simbolismo do momento, sobre as lutas para que se construísse um país autônomo, sobre as conquistas e percalços ao longo de dois séculos. Sobre planos para um futuro melhor, que nosso país merece muito ter.

O que ouvi de mais bonito veio da boca de um mestre das palavras em língua portuguesa. Valter Hugo Mãe nos lembrou que somos “uma das culturas mais deslumbrantes do mundo”.

Na minha rentrée, volto ao acompanhamento diário das pautas internacionais, a esta coluna, às gravações, aos contatos com as fontes, e me preparando para a importante agenda brasileira que vem pela frente. 

Sempre lembrando que nós somos mesmo exuberantes. É isso que merecemos ouvir sempre.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora

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