Esta é a história de dois homens que só têm 30 e poucos anos, mas passaram a última década na mesma bolha em seus relacionamentos heteronormativos da classe média e agora desembarcam na solteirice para descobrir que o mundo mudou. O caminho natural do flerte é sair do virtual para a vida real. E há de se ter disposição para encarar o próprio machismo se quiser sobreviver na paquera em tempos de primavera feminista.
Nem é muito meu estilo como colunista, mas peço licença para incorporar a Carrie Bradshaw tupiniquim e convido vocês a segui-los nesta pequena saga de centavos.
Eles estão tentando se adaptar: dizem que precisam acelerar o jogo do flerte e abrir a cabeça para sair do zero a zero. As mulheres estão mais abertas a beijarem também outras mulheres e dispostas a viverem sua liberdade, o que pode desconcertar o novo solteiro que cresceu no machismo heteronormativo, acostumado a tomar todas as iniciativas.
Corta para esta cena num bar. No segundo andar, uma moça grita para João (nome fictício), que está no primeiro, ir até ela. Ele sobe as escadas, a beija e é surpreendido por muitos aplausos. Nada de novo sob as noites do Fortal, mas capaz de torcer o nariz dos mais conservadores.
“Os caras se assustam, estão muito inseguros. Eu digo: se acha que não banca, não entra. O mundo agora é este”, conta João, que abraçou a solteirice depois de ter passado praticamente toda a vida adulta namorando. “Mas eu também tenho dificuldade. Minha paquera é de 12 anos atrás. Sou muito lento”, emenda.
As baladas? Já não são aquele velho lugar para conhecer alguém. Viraram o ponto final de um flerte, que quase obrigatoriamente começa nas redes sociais. Tinder ou Bumble? Desnecessários quando se tem um Instagram com a função de melhores amigos. Três curtidas trocadas nos stories e… Vamos pro Whatsapp? A balada virou só a coroação do beijo. O ponto de transição para os famigerados afters, onde tudo acontece.
Um ponto positivo para eles: ser bonito já não é lá um grande trunfo. Mais importante é ser engraçado. No mundo dos heteronormativos, as mulheres aparecem mais empoderadas por simplesmente fazerem valer suas vontades de sexo. Tudo normal, mas eles dizem que são eles que têm medo de sair no primeiro encontro. “Acho perigoso”, diz João. Guilherme (nome fictício) já nem tanto.
Depois de nove anos de namoro, ele mergulhou na solteirice pós-trinta um tanto quanto desajeitado. “Estou enferrujadíssimo”, admite, rindo. “Eu me assustei com a liberdade feminina e vi que não cabe mais ser machista mesmo. Estou em fase de adaptação”, ele diz, com certa dificuldade de aceitar que perdeu a exclusividade nunca nem acordada com os contatinhos.
Às vezes, se sente perdido como se estivesse no The Walking Dead dos solteiros, com o turbilhão de jovens de todos os gêneros com seus cigarros eletrônicos da moda a espalhar fumaça na noite fortalezense.
Mas como você pode estar a última década inteira tão desconectado do mundo?, eu pergunto, incrédula com o museu de grandes novidades e o choque cultural antimachista. “Saía sempre com casais, dentro da bolha. É como se a gente tivesse fora do mundo de hoje”, ele diz.
O peso de ser solteiro depois dos 30 tem gênero, todo mundo sabe. Historicamente as mulheres sofrem todo tipo de pressão para marcarem o bingo trabalho-casamento-filhos. No mundo heteromacho, as pressões diminuem. O caminho ainda é longo, mas há de ser frequente até que as liberdades sejam naturalmente de todes.
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