Como vamos manter nossos filhos longe dos smartphones?

Neste início de ano, começa a valer a lei dos celulares fora das escolas. Combater o excesso de tempo online e aproximar crianças e adolescentes do mundo real - tão contraditório quanto interessante -, é um desafio de todos e não só dos pais

Escrito por
Beatriz Jucá ceara@svm.com.br
Legenda: A hiperconexão na infância e os transtornos mentais são um desafio global para pais, escolas e governos
Foto: Pexels

Há alguns meses, entrevistei uma mãe extremamente preocupada com a hiperconexão e o vício em telas de seu filho mais velho, um pré-adolescente de 12 anos. Ela estava cansada e buscava desesperadamente alguma orientação da escola onde ele estuda, em Fortaleza. Já havia entendido que a parentalidade, sozinha, não teria como dar conta de uma questão que envolve várias gerações de crianças e adolescentes. Uma questão de nossos tempos.

O filho dela ganhou o primeiro celular da avó aos 10 anos de idade. Desconfortável com o presente, a mãe acabou cedendo aos apelos do menino, que começou a dedicar cada vez mais tempo às telas. As notas na escola baixaram, o sono ficou desordenado e o uso das redes sociais passou a acompanhar praticamente todas as tarefas do cotidiano.

A mãe decidiu estabelecer limites mais severos, e a resposta a isso foi agressividade. "Se já não estiver viciado, acho que pode estar começando a ficar", ela me disse, ao contar que acordou de madrugada incontáveis vezes e o flagrou jogando escondido no celular. Ela então mudou a estratégia: aumentou as aulas de esportes e buscou psicoterapia para ele. Nada adiantou. 

Preservei os nomes da mãe e do filho para não expor a criança, mas a história desta família tem sido cada vez mais comum em muitas casas ao redor do mundo. A hiperconexão na infância e os transtornos mentais - estejam ambas as questões associadas ou não - são um desafio global para pais, escolas e governos.

O psicólogo social americano Jonathan Haidt, autor do famoso livro “A geração ansiosa”, acredita que a infância hiperconectada é a causa da epidemia de transtornos na geração Z. Para ele, a “infância baseada no celular” estaria alterando o desenvolvimento social e neurológico de jovens e causando problemas como privação de sono, privação social, fragmentação da atenção e vício.

Mas não há unanimidade em sua tese. Candice L. Odgers, professora de Psicologia na Universidade da Califórnia, não vê evidências científicas suficientes para culpar os smartphones pela crise de saúde mental dos jovens, por exemplo. Seja como for, muitos pesquisadores estão de acordo no seguinte: a tecnologia e as redes sociais têm efeito negativo quando substituem as atividades ao ar livre e a sociabilidade no mundo real.

E enfrentar a questão não é só papel da parentalidade. Em diversos países, têm crescido as demandas de governos e especialistas em tecnologia para a proteção virtual dos menores. Itália e Estados Unidos, por exemplo, vêm discutindo uma legislação para regular o acesso de crianças e adolescentes nas redes sociais. 

Neste início de ano, começa a valer no Brasil  a legislação que proíbe o uso de celulares em sala de aula nas instituições públicas de educação básica. Começamos o ano com professores e pais imersos neste desafio.

O contexto ajuda a entender o tamanho da questão: somos um país com crianças e adolescentes hiperconectados. Uma pesquisa feita pela Dubit Trends com 18 países mostra que somos o terceiro que mais acessa o Youtube. Nove em cada dez crianças com menos de 12 anos que assistem a vídeos estão na plataforma. O Brasil também é o segundo país pesquisado onde mais crianças de 2 a 15 anos têm o próprio aparelho para consumir conteúdo digital, seja celular, computador ou tablet.

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Se o acesso às plataformas digitais é uma realidade para o público infantil, o foco agora deve estar em orientar as famílias para compreenderem os benefícios e os desafios delas. Quais são os caminhos? A escola pode ajudar a cuidar da vida digital das crianças? Os governos devem propor legislações e regulamentar o serviço das plataformas? Estas, por sua vez, podem começar a se responsabilizar pelos efeitos sociais da economia de atenção e os vídeos curtos em scroll infinito. 

É importante também que os pais sigam vigilantes inclusive em um contexto em que o mau uso da tecnologia pode precarizar até as relações de pais e filhos, afinal também há adultos viciados em telas. 

Basta afastar os jovens do celular? Acho que o desafio também está em atraí-los ao mundo real, cheio de contradições, mas imensamente interessante. Que nos unamos em pequenas comunidades se o mundo está cerceado e inseguro demais. Que as crianças possam sair, brincar, jogar e se fortalecerem sem a sensação de que só elas não têm acesso ao celular. Há vida fora dos smartphones.

Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora. 

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