Como pais, cuidadores e educadores podem ajudar a combater a violência nas escolas?

Revistar mochila dos filhos, olhar os conteúdos que postam e assistem nas redes, além de abrir diálogo e escutar as angústias de crianças e adolescentes são algumas ações práticas

Legenda: Precisamos criar um ambiente escolar saudável, onde as diferenças sejam respeitadas e onde os alunos se sintam seguros e acolhidos
Foto: Fizkes/ Shutterstock

Já escrevi aqui em outras ocasiões sobre o que leva os jovens a recorrerem a comportamentos de extrema violência para expressar seus sofrimentos. Já discorri também, sobre bullying e o que a falta de afeto, de cuidados e a necessidade de aceitação, pode causar na psique do jovem com o cérebro em formação. 

Mas hoje o assunto é diferente.

A história da humanidade está repleta de exemplos de pessoas e povos, que nos piores momentos de angústia, medo e sofrimento, encontraram a saída na reação.

Sim, é hora de reagir! Obviamente não uma reação violenta, mas uma reação firme e pacífica. Com atitudes constantes.

Não é um momento para ficarmos apenas esperando que o estado ou as autoridades tomem alguma atitude.

É momento de uma profunda reflexão sobre nossa responsabilidade, enquanto pais, cuidadores, educadores, sobre nosso papel para o enfrentamento e resolução dessa crise.

Ressalto que a palavra responsabilidade, não é culpa. Não devemos nos sentir culpados e nem procurar culpados. A hora agora é de assumir a responsabilidade de uma maneira proativa, com o firme propósito de resolver o problema.

Desse modo, quero propor aqui algumas estratégias práticas que uso na clínica, e que com os devidos ajustes, os responsáveis poderão usar em casa com seus filhos e as escolas com as crianças e adolescentes.

No entanto, antes de qualquer dica prática, precisamos criar dentro de nós o “ambiente” psicológico ou a mentalidade capaz de nos dar o suporte necessário para as mudanças as quais nos propomos, assim é importante que tomemos algumas atitudes. Precisamos realmente tomar para si a responsabilidade e sermos ativos nesse processo.

Aceitação

A primeira coisa de devemos fazer para enfrentar e resolver um problema é aceitar o problema. Muitas vezes quando passamos por momentos de crises, temos a tendência a fugir da situação, muitas vezes negando ou tentando transferir a responsabilidade.

Quando falo de aceitar o problema, falo de aceitar ativamente, sair da passividade e buscar uma visão clara do está acontecendo. Somente assim poderemos elaborar estratégias eficazes e partir para a resolução.

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Informação

Buscar fontes de informação claras, sem sensacionalismos. Essas informações devem servir para manter os pais alertas sobre os fatos, porém devemos evitar o excesso de notícias, o excesso de detalhes sobre os ataques. Essa atenção aos detalhes, servem apenas para aumentar o medo e a ansiedade, um ataque com vítimas ou sem vítimas, é sempre um ataque. É na resolução e prevenção que devemos focar.

Os pais e responsáveis devem ter um canal de informação e contato em comum. Um grupo de whatsapp, por exemplo, porém não para ficar espalhando notícias sobre ataques ou ameaças, mas para que os pais possam saber e trocar informações sobre o que acontece com seus filhos em sala de aula.

Canal onde os pais possam se conhecer, para poder juntos criar estratégias para ajudar seus filhos e o grupo em que eles estão inseridos. Esse é um daqueles momentos em que quanto mais unidos e bem informados estivermos, mais eficaz serão nossas atitudes.

Diálogo

Precisamos conversar entre nós, pais, filhos, educadores, amigos do colégio, no sentido de buscar e encontrar soluções para o problema.

Os responsáveis devem encorajar seus filhos a ir às aulas. Não é deixando de ir para a escola, com as crianças perdendo aulas que resolveremos o problema. Nós, cuidadores, devemos evitar demonstrar medo extremo e ansiedade para as crianças e jovens. Eles absorvem, retêm e reproduzem esse comportamento, aumentando a ansiedade e pânico.

Tenho relatos no consultório que existem crianças indo armadas para o colégio (com objetos cortantes), pensando em se “defender” em caso de ataque. Nem é preciso pensar muito para ver que essa não é uma boa atitude para resolver o problema.

Os pais devem ser a fortaleza e o modelo de atitude para os filhos. Devemos lembrar que os filhos não aprendem com conselhos, aprendem com o exemplo.

Como conversar com meu filho pequeno sobre esses ataques?

Com crianças menores temos sempre que conversar e trabalhar com o máximo de informações que a criança nos traz. Temos que ouvir e investigar o que a criança sabe e como entendeu o que sabe. Inicie o assunto, perguntando para a criança e dê espaço para ela falar e expor seus medos.

Pergunte: Você ouviu falar sobre algo diferente que está acontecendo nas escolas? Você ouviu alguém comentando de medo de ir para aula? E não fale muitos detalhes. Escute atentamente! E a partir do que ela vai falando, você vai orientando.

Se a criança já verbalizar medos e resistências em ir para a aula, valide esse sentimento. Acolha e diga que entende seu sentimento, que você também sente, mas afirme que os adultos, responsáveis e escolas juntos, estão tomando providências e cuidando da segurança deles.

Os filhos que não conversam sobre os seus sentimentos como medos, têm a tendência de tentar resolver sozinhos e como não tem a maturidade de encontrar soluções mais adequadas, ficam criando planos de fuga e reações, que envolvem inclusive violência. A criança precisa externar os sentimentos e necessita de orientações dos responsáveis para saber como agir.

Como conversar com adolescente sobre os ataques?

Devido a imaturidade muitos adolescentes costumam satirizar tudo o que está acontecendo. Temos que chamá-los para os valores morais e éticos. Devemos trazê-los para a reflexão e perguntar: Que tipo de brincadeira é essa? Fazer piada com isso? Com o sofrimento das pessoas? E dialogar com os jovens sobre o assunto, para evitar brincadeiras de mau gosto, como espalhar boatos, criar perfis falsos, ou brincar com algum amigo dizendo que esse ou aquele é capaz de cometer um ataque.

Devemos orientá-los que se souberem de algum colega da escola que está fazendo isso, devem falar para seus pais ou para os professores, para que se possa tomar uma atitude com esse jovem, pois esse tipo de atitude apenas agrava o problema.

Os pais devem conversar com os jovens deixando claro que as pessoas que cometem tais atos ultrapassaram os limites da normalidade e precisam de tratamento e cuidados, e que o futuro dessas pessoas, é sempre trágico.

Mostrar que não precisa de coragem para praticar esses atos, mas de uma profunda covardia e desajuste interno, já que se trata de ataques a crianças e jovens inocentes.

Deixar claro que essas pessoas não são modelos a serem seguidos, e que suas atitudes só geram dor e tristeza, para elas e para as famílias de suas vítimas.

Ações práticas

  • Além do diálogo, os pais devem ficar muito atentos ao comportamento de seus filhos.Nesse momento, principalmente para os pais de crianças maiores, é necessário revistar sempre as mochilas dos seus filhos.
     
  • Devem ficar atentos ao que os filhos postam e o conteúdo que estão expostos nas redes sociais. Checar o histórico de pesquisas, os vídeos que acessam no you tube. Conteúdos do Tiktok, instagram, etc. Os responsáveis precisam se apropriar da vida virtual dos filhos. Alguns se comportam e se expressam nas redes sociais de maneira totalmente diferente daquela que têm em casa e com os pais.
     
  • Falar para as crianças e adolescentes que muitas informações que acessam nas redes sociais, principalmente em relação a ameaças de futuros ataques são para gerar pânico e sensacionalismo. Devemos inclusive evitar ao máximo que esses jovens fiquem expostos a essas mídias.
     
  • Responsáveis, estejam atentos aos sinais de mudanças de comportamentos das crianças, tanto em relação a comportamento de isolamento, quanto aos sentimentos das crianças em relação a medos e apreensão. Alguns podem ter pesadelos, e ficar mais ansiosos.

O que as escolas podem fazer?

As medidas de segurança são extremamente importantes. Porém, é essencial que as escolas trabalhem a saúde mental e emocional das crianças, adolescentes e profissionais. Devemos focar em desenvolver atividades realmente preventivas. Do ponto de vista da aprendizagem socioemocional, as escolas podem:

  • Treinar professores e funcionários, para aprenderem a identificar alunos que tenham comportamentos mais introspectivos, ou que estejam sendo vítimas ou praticando o bullying.
  •  Identificar alunos que estejam passando por momentos difíceis em casa, aumentar o suporte do serviço de orientação educacional e trazer suporte psicológico para esse aluno.
  • Criar dinâmicas e encenações onde os alunos abordem os temas em questão, onde aprendam sobre respeito às diferenças e a cooperação entre os alunos.
  •  Desenvolver atividades, trabalhos de equipe entre os alunos, palestras e conscientização de maneira periódica para os diversos tipos de violência: violência doméstica, automutilação, bullying, cyberbullying, brincadeiras perigosas e uso de álcool e drogas, dentre outros.
  • Investir no serviço de psicologia e apoio emocional tanto para os alunos quanto para os professores.

Os ataques às escolas são uma realidade triste e preocupante no Brasil. É essencial que sejam adotadas medidas preventivas para enfrentar esse problema. Esse é um tema bastante complexo, e não há uma fórmula pronta para a sua solução, mas o diálogo e as atitudes que levem mais informação e compreensão sobre o tema, são de grande ajuda para a sua resolução.

Devemos investir em segurança nas escolas, capacitar professores e funcionários, e conscientizar a todos sobre o tema da saúde mental. Devemos atuar todos juntos, responsáveis, escolas e sociedade sem causar pânico, levando apoio, escuta, conforto e orientações para nossas crianças e jovens.

Precisamos criar um ambiente escolar saudável, onde as diferenças sejam respeitadas e onde os alunos se sintam seguros e acolhidos.

*O texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora