Túneis e ônibus elétricos: novidades em Fortaleza e as intervenções pontuais fora do planejamento

A cidade vive de novidades e, por isso, é o lugar onde a dinâmica social vai à sua enésima potência

Legenda: A metrópole é sempre um frenesi pois está ligada ao mundo e o mundo produz e irradia inovações tecnológicas e culturais
Foto: Thiago Gadelha

A cidade vive de novidades e, por isso, é o lugar onde a dinâmica social vai à sua enésima potência. A metrópole é sempre um frenesi pois está ligada ao mundo e o mundo produz e irradia inovações tecnológicas e culturais. Não é por acaso que todos os dias surgem ideias com fins a alterar algo no espaço urbano.

Nas últimas semanas, novas (ou velhas?) propostas foram anunciadas pela municipalidade para Fortaleza: a construção de túnel do cruzamento entre a Avenida Aguanambi e a Avenida Domingos Olímpio e a disposição de R$ 50 milhões na futura compra de ônibus elétricos. Cria-se um burburinho. A mídia divulga, as redes sociais espalham e elevam o engajamento. 

Nesses casos, as mudanças vêm diretamente de propostas do executivo municipal, o que, a meu ver, merece olhar crítico. Seriam elas mais do mesmo, apenas com intenções eleitoreiras? Ou por trás há uma lógica de planejamento urbano de médio e longo prazo?

  • A primeira: uma obra de infraestrutura de mobilidade, com grande visibilidade e impacto no cotidiano dos munícipes. Por outro lado, consumidora de milhões de reais. Muito provavelmente, aceita aos bons olhos da opinião pública, haja vista a esperança da fluidez automobilística sonhada por quem passa pelo trecho.
     
  • A segunda: aquisição de veículos para o transporte coletivo à eletricidade e a atender as prescrições de agendas de redução do uso de combustíveis fósseis na mobilidade urbana. Como se alinha à discussão mundial sobre o enfrentamento às mudanças climáticas, a ação ganha a simpatia da população e dos formadores de opinião.

E o que há para criticar? Para explicar meu raciocínio, enfoquemos as diferenças entre as medidas e os interesses do setor privado em relação ao setor público. No privado, quando falo em investimentos na cidade, os empresários pensam exclusivamente nos seus negócios e tem planos específicos para tal, como metas de médio e longo prazo. 

No público, além dos limites instituídos pela lei e pela política, é de bom tom que os investimentos estejam enquadrados em planejamento, em especial, registrados nas diretrizes do Plano Diretor ou em outros planos complementares. Em palavras simples, no tempo e no espaço, a administração pública municipal é compulsoriamente levada a pensar a cidade na sua totalidade, do presente e do futuro. 

Quando assim não é feito, há forte tendência à ineficácia das medidas. O atropelo nas decisões sai caro. Lembro aos leitores que o plano diretor de Fortaleza é um dos mais desatualizados frente às metrópoles do nordeste. O documento encontra-se em processo de atualização e ainda será votado na Câmara Municipal. Não é óbvio aguardar as diretrizes do Plano para depois alocar recursos públicos em obras, a priori, estruturantes? 

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Em relação à mobilidade e ao enfrentamento às mudanças climáticas, quais serão as metas acordadas? Os túneis e os ônibus elétricos estarão entre as ações prioritárias? No futuro, os ônibus elétricos terão o mesmo destino dos ônibus articulados (alguém os vi por aí?)? Ninguém sabe ainda. 

Na mesma linha, Fortaleza construirá um plano de adaptação urbana e de enfrentamento às mudanças climáticas? Se seguir o modelo mundial, certamente que sim. E nesse plano, como trataremos temas como mobilidade urbana, estrutura viária, zoneamento e preservação das áreas verdes e redução da pobreza e da desigualdade urbana? Não sei dizer.

Volto a ideia de totalidade e de planejamento. Nada contra túneis e ônibus elétricos. O debate é bem mais amplo. Em cidade de parcos recursos e a apresentar graves problemas, toda escolha é estratégica pois seus efeitos devem ser certeiros e socialmente bem distribuídos. Minha sugestão é a seguinte: primeiro elaboremos um bom plano diretor e um exequível plano de adaptação às mudanças climáticas, depois fazemos as escolhas mais acertadas para a sociedade.

No final, quem sabe, os ônibus e os túneis sejam as prioridades.