Reestruturação, refuncionalização, requalificação e revitalização

A reestruturação urbana designa um conjunto de mudanças capazes de produzir novas configurações do tecido urbano

Legenda: Refuncionalizações e requalificações são processos específicos, menos abrangentes espacial e funcionalmente, e na maioria das ocasiões, alteram áreas específicas da cidade, sendo assim, incapazes de modificar a totalidade da urbe.
Foto: Kid Junior

Quando são ventiladas, ou efetuadas, modificações na cidade é corriqueira a utilização dos termos reestruturação, refuncionalização, requalificação ou até mesmo revitalização. Enquanto vocábulos frequentemente empregados, não são raras as vezes cujo termo utilizado não corresponde às características da mudança descrita.

Em comum, as quatro palavras são constituídas pelo prefixo “re” e pelo sufixo “ção”, referindo-se assim a processos (ações) que se repetem ou que prosperam a partir do preexistente. Contudo, é equivocado, tanto no jornalismo como na ciência, utilizá-los enquanto sinônimos.

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A reestruturação urbana designa um conjunto de mudanças de amplo alcance e capazes de produzir novas configurações do tecido urbano, estando estas articuladas as alterações no espaço construído, nas atividades econômicas predominantes e no conteúdo social das áreas da cidade.

No passado, no século XVIII e XIX, a industrialização se tornou um fenômeno preponderante nas cidades inglesas propiciou aumento demográfico exponencial, alteração nos padrões de moradia, nos modais de transporte, nas relações de trabalho e no modo de vida. No século XIX, também na Europa, poderíamos lembrar das demolições de Napoleão III, do Barão Haussmann e da abertura dos boulevards em Paris.

Nesses casos, o uso da expressão reestruturação urbana bem define a importância do acontecido. Após os acontecimentos, Manchester e Paris jamais foram as mesmas. As mudanças diacrônicas, induzidas por condições sociais desiguais, tiveram caráter reestruturador.

Também poderíamos utilizá-lo acertadamente ao nos referirmos, no caso brasileiro, ao momento da passagem da cidade à condição de metrópole, como transcorreu com Fortaleza a partir dos anos 1970. Isso porque a metrópole não é tão-somente uma cidade maior, onde habitam milhões. Ela representa um espaço urbano composto por muitos centros e, complementarmente, fragmentado e multiperiférico.

Quando ocorre a metropolização, o processo de urbanização chega a outro patamar, sobretudo, em virtude da complexidade das atividades econômicas sediadas nestes espaços urbanos. Por sua vez, refuncionalizações e requalificações são processos específicos, menos abrangentes espacial e funcionalmente, e na maioria das ocasiões, alteram áreas específicas da cidade, sendo assim, incapazes de modificar a totalidade da urbe.

Não necessariamente são planejadas ou de responsabilidade do Estado, os dois processos podem vir a desenrolar-se por contingências históricas (ex. crises econômicas) e por interesses de agentes empresariais (ex. mercado imobiliário).

Para explicar, um bairro ou uma zona da cidade é refuncionalizado à medida que uma função urbana histórica perde importância e outra ganha predominância. Em Fortaleza, poderíamos mencionar as mudanças funcionais transcorridas na Avenida Francisco Sá com a passagem da função industrial, para a residencial e a comercial; ou mesmo, lembrar do Centro da cidade que deixou de ser uma área predominantemente residencial para ser identificada como a principal zona comercial da capital.

Legenda: Obras na Avenida Francisco Sá
Foto: Arquivo Diário do Nordeste/Helene Santos

O bairro Aldeota, antes eminentemente residencial, nos dias de hoje, é uma centralidade urbana marcada pela variedade de serviços especializados.

A requalificação não obrigatoriamente se dá por mutações nas funções urbanas. Uma avenida comercial em decadência, ao ganhar novas qualidades de acesso ou de padrão empresarial, pode vir a reconstituir sua relevância mantendo sua função comercial. Em outra escala de intervenção, reformas em espaços públicos (ex. praças, parques, polos de lazer), não alteram as funções destes, porém modernizam-lhes com a atualização do mobiliário urbano e/ou com a inserção de necessidades da época.

O último termo anunciado, revitalização, é o mais polêmico. Se levarmos ao extremo rigor das teorias urbanas, ele jamais deveria ser utilizado para designar processos e intervenções na cidade. Primeiro porque, por mais precários e decadentes, os espaços urbanos não são zonas mortas, há sempre relações e práticas sociais a eles associados, mesmo que não sejam as desejáveis por um grupo ou setor da sociedade.

Em segundo lugar, geralmente, quando se emprega a palavra revitalização há carga simbólica e preconceituosa na avaliação das funções e nos usos reinantes numa área. Na cidade contemporânea, observa-se frequentemente o emprego do termo para zonas onde habitam populações pobres, em situação de rua ou espaços ocupados por comerciantes ambulantes.

Tudo isso dito, o leitor pode entender as distinções como irrelevantes. Porém, com um pouco mais de cuidado, e até com conhecimento das estratégias políticas, descobriremos a importância das palavras e dos discursos na formação das opiniões, nos álibis e nas justificativas.

Para os movimentos sociais urbanos, o domínio destes termos e dos seus significados é uma arma para argumentar e fazer valer seus interesses. No momento da reivindicação, é decisivo deixar claro o que se quer para a cidade, para a regional ou para a praça do bairro onde moramos.

"Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor”.