Entregadores, precariado urbano e seus clientes

Legenda: Os numerosos vídeos gravados e noticiados evidenciam clientes raivosos e impacientes, capazes de deferir palavras ofensivas em virtude, tão simplesmente, de alguns minutos de atraso
Foto: Thiago Gadelha

Ao passo que é cada vez mais popular a utilização de plataformas digitais para aquisição de bens e serviços, simultaneamente se faz necessário um conjunto de pernas e braços responsáveis pela efetivação das entregas.

À primeira vista, isto pode representar um encontro conveniente: de um lado, empresas do setor das tecnologias da informação (característica do mundo globalizado) e, do outro, um exército local de trabalhadores urbanos em busca de ocupação remunerada. No meio disso tudo; eu, você e todos os usuários e consumidores cadastrados nesses aplicativos.

Diferente do imaginado a priori, a profissão de entregador/a de aplicativo não é uma grande oportunidade, pelo contrário, tem se constituído para milhões de jovens, como única opção de acesso ao combalido mercado de trabalho.

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Aqui, poderia conduzir o argumento e explicar o porquê desse grupo de trabalhadores ser, na atualidade, denominado de “precariado”. Para tanto, falaria das intermináveis jornadas de trabalho a qual estão submetidos, dos perigos que enfrentam no trânsito, dos valores irrisórios que recebem por entrega, dos roubos de seus veículos e da ausência de cobertura de assistência social e previdenciária. Desta vez, não vai ser esse o caminho prosa.

Além de tudo isso (venhamos e convenhamos), a definição de precarização das relações de trabalho, avolumam-se as situações onde os clientes humilham esses trabalhadores urbanos.

Os numerosos vídeos gravados e noticiados evidenciam clientes raivosos e impacientes, capazes de deferir palavras ofensivas em virtude, tão simplesmente, de alguns minutos de atraso. Em alguns casos, as palavras preconceituosas se baseiam na discriminação do fenótipo, da cor da pele, ou da suposta condição de superioridade social.

Em uma dada ocasião, estava na portaria do prédio e observava o ir e vir dos entregadores. Um deles estava há vários minutos esperando que o cliente descesse e recebesse sua pizza. Diante da demora fora do comum, e com o pagamento já antecipado, o trabalhador deixou a pizza na portaria (o que comumente é feito) e seguiu sua labuta em direção a sua enésima entrega.

Minutos depois, desce o cliente, verifica que o entregador partiu e, diante da pizza fria, ferozmente despejou grosserias. Por fim, anunciou sua vingança:

Vou escrever poucas e boas na avaliação do serviço, tomara que nunca mais entregue por aqui... Serviço de preguiçoso! Era custo esperar!.

Ao meu ver, esse comportamento é tão arcaico como é a sociedade brasileira. No “frigir dos ovos”, ações dessa natureza são herdeiras do sistema casa grande-senzala, do Senhor e dos seus servos. São da série: quem pensa que você é? Ou, você sabe com quem está falando?

Temos muito o que aprender. Consideramo-nos modernos por utilizarmos aparelhos conectados em rede e, eletronicamente, escolhermos e recebermos os produtos movendo apenas um dedo sobre a tela. Porém, temos esquecido a essência de ser urbano.

Pra quem não sabe, a urbanidade é uma característica daqueles a dispor de boas maneiras, civilidade e respeito para com os outros cidadãos. Porém, no caso do trato com os trabalhadores das entregas não é o que vem sendo praticado.