Entre apagões, regredimos 20 anos nos serviços concedidos às cidades

Somos afetados à medida que não recebemos, em troca do que pagamos, os serviços confiáveis que temos direito

Legenda: As cidades tornaram-se o ponto no território onde as infraestruturas se concentram e dão suporte à diversidade enorme de funções e atividades socioeconômicas
Foto: Natinho Rodrigues

Fui à cidade do Rio de Janeiro faz poucos dias e um dos temas mais comentados entre colegas era a insatisfação com os serviços sob responsabilidade da empresa de distribuição de energia elétrica local. Em São Paulo, da mesma forma: os paulistanos estão em pé de guerra com a concessionária em virtude dos apagões e demoras para sanar a falta de energia elétrica. Em Fortaleza, parece-me que voltamos ao passado em pelo menos 20 anos, numa época onde bastava chover para ter certeza que faltaria luz. Em síntese, algo não anda funcionando muito bem.

No tempo, como ao acúmulo de redes, tão necessárias à vida urbana, as cidades tornaram-se o ponto no território onde as infraestruturas se concentram e dão suporte à diversidade enorme de funções e atividades socioeconômicas. Assim, se por um lado isso tudo se apresenta como um indicador da nossa evolução tecnológica, por outro, percebemos o quanto somos afetados à medida que não recebemos, em troca do que pagamos, os serviços confiáveis que temos direito.

Pagamos caro por energia elétrica, por sinal de internet e por telefonia. Porém, recebemos em troca a qualidade condizente ao que se paga?

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No início dos anos 1990, passou-se boa parte dessas áreas estratégicas às mãos das empresas privadas, com o sonho de alcançar o patamar de qualidade de países desenvolvidos, modernizar as cidades e baratear o acesso aos serviços. As décadas se passaram e, penso eu, as instâncias públicas foram, década a década, perdendo capacidade de fiscalizar e exigir das empresas o cumprimento eficiente dos serviços. Imaginou-se (outro sonho) que as empresas por sua ética e necessidade de competição (a mão invisível) avançariam na qualidade a ser disponibilizada aos consumidores urbanos.

Na hora de exigir bons serviços e recuperar possíveis prejuízos, nem mesmo a lógica do direito do consumidor é plenamente atendida. Não são poucos os casos de pessoas com equipamentos elétricos danificados pela oscilação no fornecimento de energia elétrica. Não são poucos os clientes que perdem a paciência ao ligar e solicitar a correção de problemas com o serviço de internet. Não são poucos os cidadãos (e principalmente os mais idosos) que caem em “armadilhas” e acabam por pagar por serviços de empresas telefônicas não desejados.

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A relação entre público e privado é comum em qualquer sociedade, mais ainda naquelas baseadas em um Estado democrático e uma economia de mercado. Não defendo aqui a centralização das funções estatais, contudo, é muito ingênuo acreditar que as empresas, sem forte cobrança civil e oficial, entregarão serviços de qualidade. Por isso, defendo o fortalecimento das instituições públicas capazes de acompanhar com rigor e cobrar das empresas serviços de qualidade (agência reguladoras, ministério público, poder legislativo), sobretudo, aqueles essenciais à vida nas cidades.

No nosso País, por vezes, se defende a máxima de que tudo que é público é ruim, de má qualidade. Se esse comportamento pode garantir uma cobrança efetiva, seria bom utilizarmos dessa exigência também para os serviços fornecidos por empresas privadas, pois, para os casos listados, não é possível afirmar que temos recebido a tão sonhada qualidade nos serviços urbanos. Vou logo apressar-me em concluir o texto. Está chovendo e o fornecimento de energia ou/e o sinal de internet podem ser interrompidos. 

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