Na história brasileira, as políticas sociais e urbanas defendidas pela maioria dos representantes eleitos ampliaram o processo de segregação socioespacial, ou seja, partem do princípio de esconder os mais pobres
Durante o final de semana, numa dessas plataformas de streaming, assisti dois filmes franceses: Sementes podres (Mauvaises herbes, 2018) e Athena (2022). Ao mesmo tempo, ao longo dessa campanha eleitoral, acompanhei os vídeos das propagandas de candidatos circulando em áreas pobres e periféricas das cidades brasileiras. Mas afinal de contas, o que uma coisa tem a ver com a outra? Vou começar resumindo a ficção e depois volto à nossa hiper-realidade.
Os dois audiovisuais estão baseados em forte crítica social e, porque não dizer, num debate dos efeitos da geopolítica do século XXI. No filme Sementes pobres, uma criança imigrante, fugido da guerra, é adotada por uma cidadã francesa, cresce e se torna um patético aplicador de pequenos golpes em supermercados. Em mais uma de suas aventuras (há um certo tom de comédia para aliviar os dramas), o “golpista” se disfarça de agente social e vai trabalhar em uma organização responsável por “readaptar” adolescentes periféricos que são vistos como problemáticos.
No segundo filme, Athena, bem mais duro e sem nada de comédia, jovens negros e árabes de um conjunto habitacional nos arredores da cidade, produzem uma rebelião em virtude do assassinato brutal de uma criança, supostamente espancada por policiais. O enredo busca demonstrar a complexidade da atual sociedade francesa, os preconceitos étnicos e religiosos e as soluções populistas baseadas em ideologias fascistas/nacionalistas.
Os nossos bairros pobres, até mais sofridos do que os exemplos da cinematografia francesa, são, por razões diferentes, transformados em cenários de peças ficcionais. Há cada dois anos, os “atores-candidatos” passam nas ruas e fingem se importar com aquelas pessoas. Enquanto isso, ano após ano, como acontece nos filmes, os jovens das periferias continuam estigmatizados pelos símbolos da pobreza ou da violência urbana.
Nesse processo, os problemas sociais históricos (desemprego, pobreza, baixa escolarização, gravidez precoce e marginalização) continuam a tatuar a pele dos jovens de famílias pobres dos nossos “banlieues”. O sucesso das facções criminosas e sua capacidade de agrupar exércitos de jovens kamikazes pode ser, em parte, explicado por esse movimento de abandono político-social.
Dada a situação crítica, aparecem os péssimos “atores-candidatos” a defender soluções fáceis e populistas: mais policiais, mais violência, mais repressão e segregação residencial.
Na história brasileira, as políticas sociais e urbanas defendidas pela maioria dos representantes eleitos ampliaram o processo de segregação socioespacial, ou seja, partem do princípio de esconder os mais pobres, destinar a eles os piores lugares da cidade, mais e mais afastados dos centros de oportunidade, cultura e riqueza. A ideia força é “varrer” os problemas para as periferias, em forma de favelas ou de conjuntos habitacionais esquecidos, sob o grande tapete que é a sociedade.