A tecnologia é um produto científico, e também político e social. Daí a importância em discutir como, por quem e para quem elas serão utilizadas. Em palavras curtas, quem se beneficiará.
Grosso modo, quando nos defrontamos com as inovações tecnológicas, a empolgação é geral. À primeira vista, imaginamos o quanto esses recursos técnicos mudarão nossas vidas, nos oportunizarão postos de trabalho, melhores condições de vida e, quem sabe, propiciarão mais organização para as cidades onde habitamos.
No momento, o funcionamento do sinal 5G nas cidades brasileiras é a novidade que ganha páginas no noticiário. Paulatinamente, bairros das grandes cidades vão experimentar o sistema também conhecido como “internet das coisas”. O apelido se explica em virtude da constituição de sistema de informação onde os equipamentos, através de sensores e transmissores, podem trocar dados, automatizar processos e, através de algoritmos, tomar decisões.
Brasília foi a primeira a receber a transmissão. Hoje o sinal mais moderno está disponível em setores de outras cidades, como São Paulo, por exemplo. Em Fortaleza ainda não contamos com a nova maravilha do mundo das conexões. Contudo, o Ministério das Comunicações garante que não tarda e logo todas as populações urbanas poderão deliciar-se com velocidades de transmissão de dados inimagináveis.
A respeito disso, por coincidência ou não, enquanto ouvia no rádio o especialista explicar todas as potencialidades do 5G, avistava abaixo do viaduto da BR-116, sob a avenida Borges de Melo, dezenas de barracos de madeiras, habitações improvisadas de famílias miseráveis, uma leva de famintos, abatidos pelas crises econômica, social e política.
A paisagem urbana dos barracos é dura e nos joga na cara a realidade dos “Sem Geração”. Na verdade, as inovações nas cidades brasileiras chegam e se disseminam sem romper o padrão de desigualdade marcante na vida urbana. A história mundial nos ensina que atribuir às tecnologias, por si só, a capacidade de mudança da realidade é pura ingenuidade ou tapeação.
A tecnologia é um produto científico, e também político e social. Daí a importância em discutir como, por quem e para quem elas serão utilizadas. Em palavras curtas, quem se beneficiará.
Do que vale exatamente entrarmos na quarta revolução industrial, na indústria 4.0, e não conseguirmos dar àquelas pessoas condições de vida dignas? É óbvio que nenhuma sociedade pode abdicar das modernizações, contudo, antes de pensarmos nas rodadas de negócios, nas novas empresas e plataformas, que tal desenvolvermos, mecanismos de redução das desigualdades sociais?
Há exemplos. Graças à internet de quinta geração, dizem que serão viáveis procedimentos cirúrgicos comandados à distância, caso bem utilizado tende a democratizar o acesso ao atendimento médico de maior complexidade em cidades desprovidas de hospitais de maior porte.
As questões saltam em minha cabeça. Como poderíamos utilizar o sinal 5G para reduzir a condição de analfabetismo funcional das populações no território brasileiro? E de que forma a tecnologia de ponta nos ajudaria a montar um modelo econômico menos hierárquico/concentrador e mais distributivo de rendas e capitais? Seria a “internet das coisas” capaz de nos ajudar a diminuir o desperdício de alimentos e de recursos hídricos?
Na cidade ou no campo, seria um grande fiasco e uma tremenda bola fora se a tão falada inclusão digital sirva apenas para favorecer as megaempresas controladoras das redes sociais e de tudo mais que abarca o mundo virtual. Se for assim, a implementação do 5G repetirá o padrão de exploração das nossas veias abertas.