Ao longo de dezenas de anos, talvez não haja outra invenção que mais modificou as cidades que o automóvel. Em virtude dele, as cidades se expandiram por quilômetros, urbanizaram-se espaços rurais produzindo novos lugares de moradia. Ainda por causa dele, as ruas foram alargadas e ganharam regras de trânsito. Até a planta arquitetônica das casas mudou, incluindo a garagem como item indispensável.
O automóvel virou paixão. Tornou-se álibi para competições e símbolo de ostentação. Diga-me o modelo do teu carro que te direis quem és!
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Se no começo do século XX o carro era mercadoria para poucos, hoje milhões de suas unidades entopem as avenidas e estacionamentos. Todavia, por tudo isso, literalmente, pagamos um preço muito elevado.
Antes, quando se falava dos males do automóvel, a lista começava pelos engarrafamentos e o trânsito lento. Na sequência das alegações poderíamos lembrar dos acidentes ao volante, atropelamentos e mortes. Não para por aí, pois muito oportunamente também pensaríamos na emissão dos gases poluentes e da contribuição dos veículos à aceleração das mudanças climáticas.
No Brasil do presente, o que tem tirado o sono dos motoristas é a dor no bolso no momento de abastecer suas “carroças à motor”. A política de preços da Petrobrás na qual os valores são ajustados pela paridade com as flutuações do mercado internacional impactam severamente a maioria dos condutores.
Agora vamos à reflexão. Mesmo com o preço dos combustíveis fósseis cada vez mais caros, por que o automóvel continua como um dos principais meios de locomoção nas cidades? Lógico que não estou nada satisfeito com o preço do litro da gasolina, contudo esta circunstância abre uma janela para discutir uma mudança estruturante.
Em meio a esta problemática, além das propostas de curto prazo para baratear a gasolina ou o diesel, é cabível construir debates complementares e de longo prazo. Qual seja? A modernização das cidades e modo de vida urbano tem que privilegiar formas mais racionais de deslocamento de pessoas e de mercadorias.
Há tempos, os ambientalistas e planejadores críticos levantam a bandeira dos transportes públicos. Lamentavelmente, os governantes pouco lhes dão ouvidos.
A era do petróleo barato acabou e as ocorrências inoportunas na geopolítica dos combustíveis são tão certas como o alvorecer. Pelas condições mundiais, as instabilidades econômicas demonstram, por sua vez, a insustentabilidade do uso dos automóveis enquanto protagonistas na mobilidade urbana e metropolitana.
Alguns são otimistas pela crescente popularização dos automóveis elétricos, contudo esquecem dos impactos ambientais causados pelo uso dos minérios (lítio, por exemplo) necessários às baterias e, igualmente, sua utilização mantém a individualização dos transporte não se diferenciando do seu antecessor à combustão.
Em território brasileiro, o erro se repete pela massificação das motocicletas. Os veículos de duas rodas são mais econômicos e acessíveis, todavia seus usuários são, proporcionalmente, os mais frágeis no trânsito e representam grande fatia nos percentuais de mortos e seriamente acidentados.
Da mesma forma que fomos catequizados para adorar o automóvel, uma diferente perspectiva cultural pode ser adotada, desta vez, compreendendo a importância em compartilhar e utilizar em meios coletivos de transporte como ônibus elétricos, BRT, VLT e Metrôs.
O caminho é unir quatro princípios: fundos públicos, tecnologias, ecologia e transporte de massas.
O maior equívoco persiste em apontar como saída o transporte motorizado individual. Na escala do intraurbano, é passado o tempo de pensar e implementar uma política de financiamento dos modais de transporte público, utilizando-se de veículos tecnológicos, integrados, seguros e menos poluentes.
Estas não são metas nada fáceis e, sem um arranjo político, jamais sairão do papel. Se assim o for, continuaremos reféns dos automóveis e das cadeias de distribuição de combustíveis.