Os ursinhos de pelúcia fantasiados de cactos

Muitas vezes, espinhos são disfarces, infelizmente já incorporados ao modo de ser e agir

Escrito por
Alessandra Silva Xavier ceara@svm.com.br
Legenda: Se você já é um “cacto adulto” com o disfarce construído, nunca é tarde para refazer a pele
Foto: Pixabay/Pexels

Frequentemente, encontramos pessoas ranzinzas, irritadas, com imensa disposição para dar sempre não, que se distanciam de aproximações afetivas, que possuem pouca tolerância para interações sociais, que parecem possuir espinhos para afastar e se proteger de qualquer aproximação com maior intimidade, desconfiadas e muitas vezes mal-humoradas.

Entretanto, muitas vezes, esses espinhos são disfarces, infelizmente já incorporados ao modo de ser e agir, fazendo com que outros nem ousem se aproximar ou desconfiar que pode haver doçura, meiguice, alegria ou leveza na pele de baixo.

Esse sujeito que foi forçado a esconder e até esquecer a doçura para sobreviver pode ter aprendido a brigar para se defender porque não podia expor as fragilidades, muitas vezes não tinha quem se preocupasse ou protegesse, aprendendo a ter que resolver as coisas sozinho, forçando o uso de estratégias que acarretaram um certo atropelo no desenvolvimento das habilidades emocionais. Muitas vezes envolvidos em ambientes violentos, aprendiam que a linguagem da violência, do grito, da dureza era a forma de ser ouvido, respeitado, e que ao representar alguma ameaça na postura violenta, estaria protegido, pois o medo era a estratégia de obter valor e sobrevivência. 

Aprendeu que beijos, abraços, poderiam revelar emoções que exporiam fragilidades e brechas que poderiam ser usadas pelas pessoas para lhe magoar e ferir. É possível que tenham sentido que gostar de alguém poderia expor à ameaça de abandono, rejeição, e que o outro poderia usar esse afeto para lhe manipular e machucar.

Aprendeu a ter que resolver as coisas sozinho, deparando-se com comparações nas quais geralmente estava em situação inferior e muitas vezes era demandado a realizar atos de cuidado e responsabilidades além das suas condições. 

Muito comumente, apresentam dificuldade de confiar, expressar as emoções, porque foram muitas vezes atacadas nas suas coisas boas, tornando-se desconfiadas da beleza do que possuíam dentro e fora de si, permanecendo na dúvida de apostar no afeto e se decepcionar. Frequentemente com histórico de bullying e algumas vezes passando a fazer bullying também, para estarem aliadas aos agressores e, assim, pretensamente protegidas.

Apesar de as pessoas acharem que são duras e exigentes com os outros, não imaginam a dureza e exigência dirigidas contra si. Inúmeras vezes sobra muito pouco de um olhar amoroso e gentil consigo e os gestos por vezes arrogantes e grosseiros, escondem balbucios e choros amordaçados. 

Podem nos fazer sentir raiva e mobilizar nossos aspectos agressivos, fazendo com que retaliemos, respondamos com agressividade, que nos afastemos e corroboremos o quão difíceis são. Por isso é necessário paciência, escuta e observação atenta para identificar o que está por trás dos espinhos. Seja gentil, aos poucos, mas muitas vezes, várias vezes, seja simpático, mesmo que a retribuição não aconteça, seja verdadeiro, seja autêntico no seu afeto e respeito, não tente manipulações, não invada, procure ter conversas em espaços reservados, a dois, sem exposição em grupo, não finja intimidade que não lhe foi dada, não agrida e nem dispute beligerância.

Afeto duradouro, verdadeiro e consistente, amolece o medo. 

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Ajude seu filho ou filha a identificar e diferenciar emoções, a falar sobre elas, a expressar afeto, a dizer o que está sentindo e o que precisa, não sobre bens materiais ou objetos, mas em relação a demandas de cuidado. Não substitua afeto por coisas materiais. Não valorize esforços que comprometam a saúde, não compare com outras crianças, valorize as próprias conquistas que o filho conseguir respeitando o próprio desenvolvimento. Observe àqueles mais sensíveis, perceba seu modo de falar, o jeito de expressar as tristezas e tente ampliar a comunicação, validando as emoções. Muitas vezes as crianças não conseguem falar como se sentem, mas expressam nas brincadeiras, desenhos, no corpo.

Se você já é um “cacto adulto” com o disfarce construído, nunca é tarde para refazer a pele. Procure espaços e pessoas, vá observando em quem pode merecer confiança, para que possa ensaiar aproximações; talvez precise de ajuda profissional para cuidar das dores e desejos congelados e doloridos.

Em algum lugar, dentro dessas pessoas, reside o sonho, a fantasia, um olhar ingênuo e lúdico à espreita da liberdade para se expressar. Feito bichinhos curiosos, que esticam uns dedinhos e depois retraem e outras vezes rosnam e mordem por puro medo. Ser capaz de integrar o diverso que nos habita é libertador. Poder permitir-se a confiança, o vínculo e a leveza é criar espaços para um mundo mais saudável e com mais conforto dentro e fora de si, com mais doçura e menos dor.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.