O perdão é uma libertação. Seja de uma mágoa, raiva, tristeza, juras de amor frustradas, decepções, expectativas não realizadas. O perdão envolve aspectos relacionais e nos confronta com o difícil das relações: os conflitos e as decepções. Entretanto, o perdão nos lança em enigmas que questionam o que é nosso e o que é do outro naquela mágoa. Quantas vezes, o tempo que carregamos a memória do que magoou torna-se um cemitério eternamente em movimento onde as tristezas não podem descansar em paz?
Não perdoar deixa o causador da mágoa sempre vivo dentro de nós. Entretanto, esse torna-se um pacto adoecedor, uma forma de se manter ligado ao outro pela tristeza e pela dor que, no entanto, consome mais quem sente do que quem causa. Obviamente que existem perdões que envolvem questões jurídicas e que não devem ser confundidos com aceitação submissa à violência.
O perdão mais difícil é o que precisamos oferecer a nós. Os julgamentos, culpas e ruminações contínuas, alimentam uma imagem de si triste, magoada, desgostosa consigo, que não pode usufruir do prazer nem investir a energia que está presa na raiva e mágoa consigo, em projetos de amor, trabalho, alegria e vida. É necessário revisitarmos o que guardamos de sentenças a serem absolvidas em nós.
Talvez por não termos dado conta do que desejaríamos; por não termos cuidado tão bem de nós como deveríamos; por termos desistido cedo demais de alguns sonhos; pelas autossabotagens; pela presença que não conseguimos oferecer a quem amamos; pelos cuidados que não conseguimos dar; pelas declarações de amor que não fizemos; por não termos percebido situações adoecedoras e nos libertarmos.
Ou também pelas idealizações que construímos para nós e que nos adoeceram; pelos nãos que não conseguimos dar; pelos riscos que não corremos e pelos arroubos desnecessários; pelas violências que praticamos; pelas responsabilidades que não conseguimos dar conta; pelo rigor e exigências que nos fazemos; pelas vezes em que nos alimentamos mal; quando não cuidamos bem do nosso corpo; pela inveja que não admitimos; pelas mentiras e danos que causamos.
Além, claro, pela preguiça que nos impediu de colocar energia naquilo que podíamos desfrutar e nos fazer bem; pela criança que existe em mim e que não protejo nem olho; pelas dores que preciso ressignificar; pelas mudanças que ainda não consegui fazer; pelas ideias que importei sobre mim sem questionar; pelos conflitos onde não me posicionei; pela voz que silenciei; pelas omissões; pelos dias doentes que não permiti ajuda ou cuidado; pelo que falhei com quem era importante; pelas dificuldades em olhar para mim e perceber meus monstros; pelos desrespeitos aos meus desejos que não reconhecidos, explodiram sobre os outros; pela falta de letramento racial, sexual; pela ignorância; pela crença que foi manipulada; pelos golpes e manipulações que fiz ou sofri e pelos abandonos que me causei.
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Acolher a si, não ser cruel e violento consigo, respeitar os limites, manter aceso os sonhos, cuidar das feridas, pertencer aos bons afetos, libertar-se das desculpas cruéis, seja pelo que nos pertence ou pelo que foi importado da pertença a outrem, é um passo valioso de saúde. As culpas alimentam a arrogância, a não aceitação dos cuidados e a possibilidade de mudança, a vergonha de si e o desamor.
Não olhar para si, dificulta as reparações consigo e com os outros, a poder responsabilizar-se e recompor a sua história. Nem sempre conseguimos perdoar e perceber o que nos ameaça sozinhos. Pode ser necessário ajuda profissional. Além disso, quanto mais exigente, rigoroso e inflexível consigo, maior a probabilidade de agir assim com os outros e não tolerar falhas, defeitos e imperfeições, tornando a vida um julgamento contínuo com sentenças imperdoáveis de infelicidade, desconfiança e solidão.