Janeiro Branco: Quantas cores é preciso para a saúde mental?
Saúde mental é projeto coletivo, de pertença, experimentação solidária com o mundo, engajamento com um mundo mais digno e justo

Existe uma campanha iniciada em 2014 e oficializada pela Lei Federal Janeiro Branco (Lei 14.556/23) que consiste em sensibilização, reflexões, prevenção e promoção da saúde mental. A saúde mental envolve a nossa capacidade de integrar nossas emoções, nossa história, enfrentar a realidade, perceber nossos limites, lidar com o mundo interno e mundo externo. Sustentar esperança, criatividade, resolver problemas, estabelecer relações, ser capaz de amar, lidar com ambivalências, exercemos nossa cidadania , construirmos relações de cuidado com o meio ambientes, trabalhar, brincar, manter um mundo interno vivo, desenvolver nossas funções psíquicas e integrar nossos recursos existenciais físicos, imateriais e sociais.
Muitas questões interferem na forma de constituir quem somos. Sofremos interferência das relações, do contexto, da sociedade, da cultura, dos aspectos genéticos, hereditários, e durante toda a vida vamos estabelecendo trocas entre o mundo interno, externo, tornando necessário ajustes contínuos ao longo de toda a vida.
Cada situação de mudança, perdas, acréscimos à nossa existência, irá operar efeitos na forma de nos vermos e na maneira como nos sentimos. Separações, mudanças de emprego, aposentadoria, Enem, mudanças econômicas, políticas, desafios do crescer, relações interpessoais, violências, são apenas algumas das situações que afetam o conforto com quem somos.
Consumo, medo do fracasso, cultura do excesso, desemprego, internet, influência das redes sociais, inteligência artificial, fragilidade dos vínculos, aumento do isolamento e solidão, dificuldade com a alteridade, narcisismo, relação com o tempo, rapidez, competição predatória, necropolítica, ração dos projetos coletivos, crise no cuidado crise ética, fragilidade dos processos simbólicos, violências, patriarcado, racismo estrutural são aspectos do contexto contemporâneo, que incidirão sobre as subjetividades e apresentam relação com sofrimentos e transtornos mentais.
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Desde 2001, com a Lei 10.216, fruto do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, existe a Política de Saúde Mental. Em 2011 é instituída a Rede de Atenção Psicossocial, a qual inclui: Unidade Básica de Saúde/Estratégia de Saúde da Família (UBS/ESF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades de Acolhimento (UA), Serviços Residências Terapêuticos (SRT), Programa de Volta para Casa (PVC), Unidades de Pronto Atendimento (UA), SAMU, Hospitais. Defende a ideia de saúde mental, no território, de base comunitária, com cuidados integrais, interprofissionais, com olhar intersetorial e depende de financiamento para realizar as ações necessárias para o Projeto terapêutico singular que é o projeto feito pelos profissionais e pelo usuário para pensar e planejar junto as ações necessárias ao cuidado.
Assim, uma pessoa pode precisar de atividade física, mudança de emprego, diminuição da impulsividade, desenvolver atividades de lazer, participar de mais atividades culturais. Outra pode necessitar de medicamento, participar de grupo terapêutico, grupo artístico, desenvolver mais atividades de solução de problemas, lidar com as marcas da violência sexual, descobrir seus recursos protetivos, aprender a colocar limites em relações abusivas.
Cada sofrimento apresenta a demanda do seu cuidado e os cuidados em Saúde Mental podem se dar em diversos espaços da cidade. Precisamos do suporte de Política Públicas garantindo-se pelo Estado e precisamos de suporte de família, relações de amizade, relações sociais solidárias, ambiente de trabalho protetivo, espaço educativo com projetos de saúde mental, políticas da habitação, arte, cultura, esporte.
Quando não estamos bem, alguns sinais podem aparecer: dificuldade de sono, perda ou aumento de apetite, perda de interesse em coisas que costumava sentir prazer, isolamento, descaso com aparência pessoal, dificuldade de concentração, dificuldade de memória, alteração de humor, dores difusas pelo corpo, alteração de humor entre outros sintomas.
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O que alguém pode fazer se verificar que precisa de ajuda?
Procure um profissional de saúde de sua confiança, pode ir a um posto de saúde e relatar como está se sentindo. Caso seja criança ou adolescente pode falar com seus pais ou pedir ajuda aos professores que podem orientar os locais e profissionais para atendimento. É extremamente importante que pais e cuidadores fiquem atentos e levem todos os pedidos de ajuda de criança e adolescentes a sério.
Muitas vezes, sofrimentos vivenciados por crianças e adolescentes podem ser negligenciados pelos pais, o que dificulta o início dos cuidados. Outra vezes, os pais para fugirem das dores de perceberem que precisam de ajuda ou para se proteger da dor diante das dores dos filhos, podem negar a existência do sofrimento familiar e muitas vezes por falta de conhecimento da necessidade de ajuda.
Algumas empresas possuem setor de saúde do trabalhador que acolhem a procura por ajuda, orientam e auxiliam no acompanhamento dos cuidados. Infelizmente, ainda existe muito preconceito na procura por ajuda diante do sofrimento psíquico e transtorno mental. Muitas pessoas têm preconceito em fazer psicoterapia, em pedir ajuda, em falar daquilo que é íntimo, em confiar, em pedir e receber ajuda e tentam resolver se automedicando ou aumentando o uso abusivo de álcool, cigarro, aumentando a carga horária de trabalho para não pensar ou implementando outras estratégias destrutivas.
Todos carregamos dores, dificuldades, experiências que não elaboramos, humilhações, vergonhas, fantasias decorrentes do vivido não pensado e confrontado; perguntas que não foram respondidas acerca da nossa história, medos, angústias que podem ser exacerbadas e potencializar dificuldades que interfiram em nossa saúde mental. Às vezes não conseguimos reestabelecer a posse de nós e nosso bem-estar sozinhos.

Preste atenção aos cuidados que você precisa!
Tem tido cuidado com o seu descanso, tem diminuído o tempo nas redes sociais? Tem amigos? Seu ambiente de trabalho lhe faz bem? Participa de atividades de lazer? Cuida bem da alimentação? Tem apoio e presença familiar protetiva? Desenvolve atividades procurando aprender coisas novas? Faz uso abusivo de álcool ou outras drogas? Como tem sido seu relacionamento com as pessoas? Oscila muito de humor? Está sempre com raiva de tudo? É indiferente às pessoas? Guarda questões emocionais importantes que não fala nem partilha com ninguém? Como as pessoas se sentem depois de conviver com você, depois de interagirem com você?
É preciso reduzir o estigma, compreender que todos podemos vir a ter algum transtorno ao longo da vida e que a lógica de tratamento e cuidados precisa de intervenções que rompam com a proposta manicomial em defesa dos princípios da reforma psiquiátrica, embasada em valores democráticos, de respeito, autonomia, liberdade, que considera que todos somos sujeitos de direitos e merecemos tratamentos dignos que valorizem as pessoas, seus direitos e suas potencialidades.
Existe muita desinformação e preconceito, como a tentativa de equiparar pessoas com transtornos a pessoas perigosas, violentas, que não podem trabalhar, estudar, casar, namorar, que não podem ter autonomia e direito de decidir sobre o tratamento. Essas informações inverídicas dificultam o tratamento e aumentam a discriminação.
Todos precisamos de cuidados e temos direitos a receber cuidados, que precisam ser contínuos e constantes. Que o respeito à dignidade, às diferenças, a um projeto coletivo de solidariedade, justiça, que contemple uma relação saudável com a natureza que garanta acesso a serviços de saúde com condições e estrutura adequada de trabalho, com Política Públicas amplas de saúde mental, com fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial sejam a realidade de todo dia.
Saúde mental é projeto coletivo, de pertença, experimentação solidária com o mundo, engajamento com um mundo mais digno e justo. Que possamos dedicar um tempo para pensar sobre nossas vidas, o que temos feito para cuidarmos bem de nós e dos outros, reparar os danos, procurar ajuda, sermos mais éticos, cuidadosos nas relações, justos, aprimoramos nossa capacidade de nos ouvir internamente, percebermos nossos desejos, sermos críticos a propostas de modelos de felicidade que adoecem e valorizarmos a capacidade de nos encantarmos com a vida.
Se cada cuidado que precisamos, para cada dimensão da nossa vida ser vivida com dignidade, tivesse uma cor; a vida para ser bem vivida seria feito uma renda, um labirinto colorido e começaríamos os dias, os anos, os meses entrelaçando de forma artesanal, com arte, política, afeto e ciência os fios do múltiplo e do complexo que o encantamento da vida precisa.