Gratidão e o encontro com o melhor que nos habita

Foto: Caleb Oquendo/Freepik

A gratidão é a conexão com a nossa história, com o reconhecimento das coisas boas que recebemos, é a possibilidade de reconhecer a presença do outro em nossas vidas enquanto fonte de cuidado, proteção, amor alegria, e de possuir recursos valiosos dentro da gente para oferecer e partilhar. Aquele que agradece sabe que tem coisas valiosas dentro de si e dos outros. Nada a agradecer significa que nada recebi, que nada conquistei, que não existe motivo para alegria ou comemoração.

Não se agradece doença,  tristeza, violência, pois representaria o merecimento e aceitação do terrível, o que valorizaria o sofrimento e sacrifício enquanto modelo de vida, e favorece a submissão e a valorização da exploração por outrem, produzindo  apatia e resignação que adoecem. Sofrimento, doença, violência,  se enfrenta e busca-se reparação. Reconhecer a tristeza é fundamental para compreender a dinâmica da existência. Mas agradecer pelo sofrimento é esvaziar a potência que pede esperança e luta pelo direito a uma vida digna. 

A gratidão oferece um conforto com os que compõem a minha história porque me permite reconhecer que fui visto, amado, incentivado a pensar, sentir e existir. Que prestaram atenção ao que eu precisava e se importaram em me oferecer, seja estudo, alimento, conforto, acolhida, perdão. É preciso aprender a agradecer pelas coisas certas. Pela saúde, pela vida, pelos aprendizados, pelos encontros com os sábios, pelas alegrias partilhadas, pelos bons encontros, pelos bons trabalhos, pelas boas amizades, pelas famílias cuidadosas e protetivas.

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Pela capacidade de lutar, pelos que alimentam o sonho e a esperança, pelos que lutam por um mundo melhor, pelos que denunciam as injustiças, pelos que oferecem beleza e arte, pelos que denunciam a feiura da opressão, pelos que possuem a coragem de ser, pelos que nos ampliam o mundo a vida, pelo que fizemos conosco e nossa história; quando nos levamos em frente e valorizamos quem somos, nossa identidade, nosso corpo, nossa voz, nosso pensar, nosso fazer, nosso sentir.

A gratidão implica em reconhecer também o valor do outro; é herdeira do cuidado e base do vínculo,  do amor, da empatia,  da confiança. O valor das coisas boas que o outro tem e que ao oferecer a mim, me engrandece. A gratidão envolve perceber o outro, e reconhecer que o outro pode ter coisas que não tenho e que posso fazer as pazes e acolher e integrar com o que me pertence. É importante agradecer pela própria história e pelo percurso construído em busca de se pertencer, se cuidar e se constituir habitando o próprio mundo. É preciso agradecer pelo que se é, pelo que se pode ser, pelo que se recebeu de cuidado, amor, sabedoria, alegria e proteção. A gratidão oferece a capacidade de diferenciar o que faz bem do que é preciso deixar ir. A gratidão guarda, pertence, compõe, reconhece. A gratidão forma vínculo.

A ingratidão despertence, distancia, desvaloriza. O aprendizado da violência passa pela sutileza das palavras e dos gestos direcionados a si e aos outros. Não agradecer, reconhecer, nem tomar posse da sua trajetória e do que de valioso lhe habita, e consequentemente dos outros, é caminho para a amargura, a solidão, o desrespeito e o rancor.

Gratidão é fazer as pazes consigo. Gratidão não é acomodação nem submissão a situações difíceis, é uma reverência ao vivido, ao percurso possível e às possibilidades do que pode vir a ser diante do já recebido e construído. A gratidão alimenta o sonhos, fortalece a caminhada, reconhece a multiplicidade dos que auxiliaram na nossa história, nas conquistas. Os que não agradecem podem estar imersos em si, impossibilitados de oferecer algo ao outro, de reconhecer a imensidão do outro, o valor do outro; podem estar repletos de inveja e solidão,  amargurados pelas idealizações que empobrecem o olhar sobre si.

Gratidão comporta o divergente, o confronto, a experiência de aprender com a diferença. Gratidão não é passividade nem submissão. É o reconhecimento da alteridade que mina relações opressivas de poder. Quem manda, impõe, não pede nem agradece.

O reconhecimento de que precisamos dos outros, que não chegaríamos onde chegamos sem muita ajuda, sem a colaboração de tantos que nos antecederam, que abriram caminhos e que partilham conosco a generosidade de seus saberes, seu trabalho, suas ideias e ações sobre o mundo, é lugar onde a solidariedade é a fraternidade habitam.

A gratidão exige humildade e não combina com arrogância,  nem violência. É parceira da generosidade, da delicadeza, da alegria. A  gratidão quebra a ilusão de onipotência e da opressão. O que alguém oferece pela liberdade da vontade, geralmente é recebido como um gesto de amor e respeito. Aquilo que o outro partilha e oferece, é experiência da bondade, que somente os corações disponíveis ao amor valorizam. Não existe espaço para a gratidão nos processos autoritários, violentos, opressivos. Enxergar o outro é exercício cotidiano. Na ausência da gratidão, o outro parece que está sob o seu poder, na invisibilidade, em um nível inferior da existência. Agradecer é reconhecer a simetria dos direitos, a pluralidade da existência, a horizontalidade da igualdade do direito à vida. 

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