Distanciamento afetivo e indisponibilidade emocional
O isolamento, a indiferença, o medo, a rejeição e o histórico de violências podem alimentar o distanciamento afetivo e provocam indisponibilidade emocional.
Nossas relações amorosas guardam repetições de nossas histórias, fantasias e desejos que contêm as vivências com aqueles que cuidaram de nós e com quem vivemos os primeiros aprendizados da relação com o outro.
Nessas repetições, buscamos compreender, cuidar, elaborar, e finalmente poder realizar as fantasias com o objeto do nosso desejo.
Para muitos, as experiências iniciais em busca de existir, diferenciar, ser amado, consistiu em ciclos de violência, rejeição, abandono, indiferença emocional.
Tais situações podem alimentar um ciclo de violência, tristeza, mágoas, raiva e distanciamento emocional para se proteger. Assim, a indisponibilidade emocional e o distanciamento afetivo viram modos de lidar com o medo do abandono e da violência quando vinculados ao outro.
Raivas podem se tornar a expressão para agir diante da tristeza e da mágoa, impondo ciclos de violência que podem se impor ao outro, agora na condição de algoz. Nesse cenário, distanciamento afetivo pode se constituir enquanto expressão de mágoas e tristezas decorrentes de violência e invasões nas relações amorosas.
Entretanto, quando existe alguma esperança em ressignificar ou poder experimentar novas rotas nessa relação ou novas formas de viver o desejo na relação com o outro, pode se instalar as bases de uma confiança que permita acreditar que o outro não será violento, não abandonará e que os ciclos de ataque e rejeição não se repetirão.
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Assim, torna-se crível construir um pouco de autoestima onde se considera capaz de existir dentro do que é possível, ser parceira das próprias incompletudes e sustentar uma certa independência do julgamento do outro. Desta maneira, na relação com o outro, torna-se possível experimentar o amor e a proteção diante da agressividade.
Entretanto, quando dessa experiência de confiar, novos ataques são experimentados, endurece-se o distanciamento afetivo. Controle, ataque, ameaça, tentativa de desqualificação do outro para minar sua autoconfiança e torná-lo passível de manipulação, são vivências que muitos experimentam em suas relações afetivas, produzindo danos individuais e coletivos sobre a capacidade de fazer vínculos, confiar e fazer parte dos afetos de uma coletividade.
O isolamento, a indiferença, o medo, a rejeição e o histórico de violências podem alimentar o distanciamento afetivo e provocam indisponibilidade emocional. Fugimos, machucamos, nos machucamos, temos receio de intimidade, sem perceber como na vida adulta, o que fazemos que nos coloca enquanto objeto para satisfazer o desejo de dominação e a violência do outro.
Observamos com frequência a fragilidade dos vínculos, o outro tratando enquanto coisa descartável, a dificuldade na sustentação dos afetos ao longo dos dias, a fuga diante do compromisso com a responsabilidade que o amor convoca, o medo diante dos vínculos e a dificuldade em permitir intimidade.
Tornar-se íntimo de alguém é permitir a presença do outro no nosso mundo interno. Quando ao longo da história o íntimo é ameaçador, violento, invasivo, torna-se assustador a presença daquele que desconfiamos que pode se aproximar para nos subjugar.
Quando emoções são silenciadas, culpas e cobranças despejadas sobre o outro, quando seja por fantasia ou pela presença real de que o outro nos ameaça, vínculos podem tornar-se ameaça à própria integridade.
As relações com os outros nos confrontam com nossas vulnerabilidades e com os aspectos dolorosos do que vivemos. Podemos ficar na repetição ou termos a chance gloriosa de mudanças de rotas.
Muitas vezes podemos não perceber o quanto as relações movem processos internos complexos e o quanto o amor nos apavora e nos instiga. O quanto o desejo de ser amado pode se tornar nosso algoz ou nossa libertação. O quanto as fantasias que residem em nosso desejo e nas formas de lidar com o outro podem nos aprisionar.
Como o respeito pelo outro precisa suplantar o desejo de dominar e subjugar, e como ciclos de violência, rejeição e abandono podem produzir indiferença e temor ao laço afetivo. A fuga de intimidade pode dar a falsa sensação de estarmos protegidos.
Entretanto, é preciso cuidar para elaborar a presença assustadora do outro dentro de nós, pois somente assim identificaremos as fantasias internas que podem nos fazer repetir ou romper com o que nos machuca.
*Este texto reflete exclusivamente a opinião da autora.